A cidade do louco

O sol não pôde mais suster seu albor e raiou na pequena, mas viva, cidade de Almabi.

Sorrateiro, um vulto atravessou a viela, espreitando-se por entre muros e portões até alcançar o mirante.

Era Ramon, conhecido pela alcunha de "o louco".

Não tinha amigos, só lembranças. Não tinha parentes, só lembranças. Não tinha mais amores...nem lembranças concretas.

No mirante ficava por horas a fio. Ora ou outra, chorava. De repente, ria.

- O que aquele louco está fazendo hoje? - perguntava o padeiro.

- Maquinando peraltagens, o traquinas! - respondia a lavadeira.

- E vocês ouviram o que aconteceu com a Cotinha? - interrompe uma vizinha, mudando de assunto.

Assim era a vida em Almabi.

Certo dia, um turista da cidade grande - enorme, por sinal - veio à pacata cidade para espairecer.

Era escritor; o famoso Ramirez. Dois best-sellers, a caminho do terceiro.

Ao chegar, interessou-se de pronto pelo vulto de Ramon no mirante.

- Quem é? - perguntou a um habitante.

- Ah, é Ramon, o louco. Sua história é desconhecida, sabe-se que mora há tempos por aqui. Tem dinheiro não sei donde. Só sei que todo o dia ele repete a mesma feita: corre pro mirante e fica.

O escritor foi, movido por grande curiosidade, atar conversa com o tal "louco".

Talvez sagaz, Ramirez previra assunto para livro futuro.

- Bom dia, amigo!

O louco olhou e resmungou:

- Ahn...

- Que há com você? - perguntou o escritor - Sabia que o chamam de louco?

- Hum...

- Por que você age assim?

O louco olhou por todo o mirante, que já conhecia de cor, segurou uma lágrima e falou:

- Conhece Bárbara?

- Não.

- Ela se foi...

E riu. Depois, chorou.

O escritor desceu do mirante. Voltou pra casa, na cidade grande.

Lançou seu novo livro: "Almabi - a cidade do louco".

Sucesso de crítica. A história do rapaz que ficou louco por causa de uma mulher e que a esperava no mirante, imaginando que o ocaso a trouxesse de volta.

Prêmios pelo livro.

E um processo.

O prefeito de Almabi não queria sua cidade conhecida como a cidade do louco.

- Como poderia ser? - pensava o prefeito - Um idiota frustrado que perdeu a namorada e fica chorando num morro ser cartão postal da minha cidade?

O escritor foi julgado e sentenciado a pagar uma indenização e desculpar-se publicamente.

De volta a Almabi, lá estava toda a imprensa, que descreveria todas as palavras, gestos e ações do escritor, nesse vexame público pelo qual ele passaria.

Ramirez subiu no palanque ao lado do prefeito e disse, calmamente:

- Senhor prefeito, autoridades presentes, senhores da imprensa e povo de Almabi: eu errei. Julguei que o pobre Ramon fosse um louco muito importante e dediquei-lhe um livro, que o fez representar a cidade. Todos os habitantes reclamaram, e com razão. Ramon não é louco. Loucos são todos vocês que nunca amaram e nem entendem qual o real sentido de amar na vida!

Desceu do palanque e foi embora...

Não se sabe o porquê, mas a indenização não foi cobrada.