O farol
Um projétil, apenas um, tudo o que ele necessita e tudo o que possui, tateia os móveis escondidos na escuridão do quarto à procura de uma solução pacífica para suas questões conflituosas, inútil tentar o interruptor, a lâmpada não liga assim como a geladeira, o chuveiro, sua mulher; as contas não foram pagas, porém as faturas de consumo e dos objetos são mesquinharias se comparadas ao preço pago pela indiferença por parte dos que amamos, contas difíceis de serem acertadas. Vez por outra a luz de um automóvel ou de um ônibus percorre o cômodo entrando pelas frestas da janela e fazendo pilhéria, pois quem perdeu todo seu brilho de vida se agarra a qualquer falso farol que pareça indicar uma direção.
As ondas quebravam sucessivamente na costa como que para garantir sua palavra de fiadoras em um contrato seguro, e assim o foi, desde o primeiro dia tudo se fez perfeito, tão perfeito que Sérgio tinha medo de viver e estragar, mas não dando ouvidos à racionalidade foi feliz, entrou naquela choupana carregando a noiva em seus braços, e neles seu amor adormeceu na maioria das noites, noutras amaram e adormeceram sob as estrelas sendo ninados pelo cantar das vagas, aquelas mesmas de que todos já tomaram conhecimento; mil e uma noites de amor, mil e um giros do farol.
Ao levar a garrafa de uísque à boca em meio ao breu na tentativa de mais alguns instantes de conforto, frustrou-se com o vácuo habitante no interior da mesma, arremessou-a contra a parede fazendo os estilhaços se espalharem por toda parte, reiniciam-se as buscas; nem lanterna, nem vela, seus olhos são suas mãos a procurar, em meio ao bloco negro no qual se transformou o quarto, a última bala, hora apalpa um pedaço de pizza mofado, hora corta um de seus dedos no vidro espalhado pelo chão, mas a angústia é mais forte e lhe impulsiona a continuar em frente até a beira do abismo, seus dedos tocam algo conhecido, desejado, enfim o projétil parece ter sido encontrado, um automóvel passa irradiando sua luz, a busca chega ao fim.
- Jura que nunca vai deixar de me amar?
- Claro que juro, que disparate teu!
O livro dos seres imaginários, uma obra que sempre despertou sua imaginação e que era capaz de tirá-lo de qualquer fossa, por isso resolveu ir à biblioteca naquela tarde, além disso, adorava aquele ambiente, o cheiro dos livros, a paz dos corredores quase desertos; Mariana, entretanto, passara por lá à procura de Passeio ao farol, o destino para os que acreditam nele ou, apenas a contingência constitutiva da vida para os mais céticos, o fato é que, ao cruzarem uma esquina de estantes entre as letras H e I, trombaram um contra o outro mudando suas vidas indelevelmente.