A gordinha
Estava numa roda de amigos quando ela passou:
-Ai, se ela me desse bola!
Rômulo, tentando entender, fez a pergunta:
-Tá falando da gordinha?
-Sim, eu gosto das gordinhas – disse enquanto ainda suspirava.
Natanael era um rapaz bonitão, chamava a atenção da mulherada por onde passava.Educado e grudado à mãe, uma senhora obesa e simpática, cortava seu cabelo no mesmo salão que ela.Era só chegar acompanhado da velha que a manicura e a cabeleireira se assanhavam:
-Esse seu filho, D. Maria, é um espetáculo!
Quando o rapaz que era um poço de timidez tomou coragem e se declarou à Penha, ela reagiu furiosa:
-Você tá mangando de mim?
Não foi fácil conquistar a confiança de Penha, mas quando ele conseguiu, foi um idílio de deixar muita gente com água na boca, com inveja mesmo.
Penha só tinha uma condição para se casar:
-Só me caso se eu emagrecer e entrar no vestido de noiva dos meus sonhos!
Quilos perdidos, matrimônio contraído.
O clima entre os dois era de constante agarramento e declarações intermitentes de amor:
-Você é meu doce de coco, Penha!
E foi de doce de coco em doce de coco, que a Penha recuperou os quilos perdidos antes do casamento e mais um pouco.Pudera, o marido apaixonado trazia-lhe quase diariamente chocolates, bolos e uma infinidade de guloseimas.
Quando houve corte na empresa em que Penha trabalhava, ela tirou suas próprias conclusões:
- Fui demitida porque sou gorda! –obstinada.
Em casa, a conversa com a vizinha que não passava de um cordial “Bom dia”, tornou-se dentro de pouco tempo uma amizade de infância.Estava sempre uma metida na casa da outra.
Um dia, Penha viu a colega tomar umas pílulas.A curiosidade feminina falou mais alto:
-Está doente? – disse Penha, temendo uma resposta afirmativa.
-Não, querida.São pílulas para emagrecer. Posso arrumar para você, quer?
-Para mim? Não, não, o Natanael gosta de mim assim mesmo, gordinha.Agradecida!
Miriam, a vizinha, tinha seus trinta e oito anos, era metida a sabichona e muito exagerada:
-Desculpe-me pela minha sinceridade, mas não sei ser de outro jeito.Vou te falar uma coisa, Penha, meu anjo: os homens dizem que gostam da gente gordinha para nenhum outro olhar para nós.Estratégia deles!Homem nenhum gosta de mulher gorda! Não se deixe enganar, vai por mim!
Despediu-se da outra ensimesmada. Quando Natanael chegou em casa e fez um gesto para beijá-la, ela o empurrou com cara aborrecida:
-Não estou para dengo hoje!
Convencida do argumento da vizinha passou a tomar as pílulas emagrecedoras, sem nada contar ao marido.Foi penoso para a gordinha recusar os doces tentadores que Natanael insistia em trazer para casa, contudo, quando a vontade de apanhar o quindim fresquinho atiçava suas entranhas, vinham as palavras de Miriam à mente: “Homem nenhum gosta de mulher gorda!”. Bastava para não querer mais comer.
O marido assustado com o resultado, sugeriu que ela procurasse um médico:
- Não esquenta, estou bem.
Penha emagreceu tomando por meses as pílulas clandestinas da vizinha, esposa de um farmacêutico desonesto.
A autoestima de Penha estava nas nuvens.Fez um corte arrojado no cabelo, trocou as roupas do guarda-roupa por modelos mais ousados.
Até Rômulo que sempre achou secretamente a garota um bucho, admitiu:
-Quem diria, hein? Com todo o respeito, mas a Penha está um avião.Parabéns!
Penha percebeu que o marido não era mais o mesmo.Estava triste.Telefonou para a vizinha:
-Penha, relaxe!Seu marido está morrendo de ciúme de você. Maravilha, isso! É bom que o homem se sinta inseguro de vez em quando, dá mais valor à esposa.Sossegue!Boa sorte!
Por mais que concordasse com a vizinha, tinha que fazer algo para resgatar o romantismo do casal. Estava com saudade dos carinhos do companheiro.
Dirigia quando viu pela janela do automóvel a tenda de circo armada.Pensou:
- Um passeio assim, diferente, pode nos aproximar.O Natanael sempre gostou desses espetáculos circenses. Pode ser uma boa!
No sábado à tarde estavam os dois, Penha e o marido assistindo às acrobacias dos artistas mambembes, se divertindo juntos como não faziam há meses.Ela até se permitiu comer três ou quatro grãos de pipoca, só para evitar mais aborrecimentos.
Ele voltou para casa felicíssimo.
Um mês depois, a Penha havia perdido mais três quilos.Natanael enfureceu:
-Não sou cachorro para gostar de osso, minha filha! Você passou dos limites!
Saiu de casa e não voltou mais. A vizinha que sabia de tudo e da vida de todo mundo, disse à Penha que escutou um boato de que Natanael havia ido embora com o circo.Estava de caso com a Mulher Barbada que pesava mais de cento e vinte quilos..
(Maria Fernandes Shu – 28 de fevereiro de 2009)
* Imagem: tela do pintor colombiano Fernando Botero " Colombiana", 1986