O Chocolate - Da série Supermercado
Devido ao trauma infantil de quando ia ao supermercado com minha mãe e ela me fazia devolver os chocolates nas gôndolas, essa é uma guloseima que não me apetece muito, ou seja, não morro de amores ou sequer tenho vontade de comê-lo todos os dias.
Também! Ela me dava chocolate somente UMA vez por ano, e isso, se eu passasse na escola sem recuperação. Eu me esforçava tanto que não me lembro um ano que não tenha ganhado uma barra de chocolate. E ele sumia num piscar de dentes. Já na faculdade, eu tinha a mesma obrigação de passar sem recuperação, ou melhor, sem G3 que é uma sigla que a Universidade dá para a prova final dos que estão muito mal na matéria; quem ficava em G3 quase morria de tanto estudar para não perder o semestre inteirinho. Pois bem, quando passava de ano eu mesma me dava um chocolate.
Mas entre o final de um ano e outro é claro que eu comia doces, mas todos a base de açúcar ou leite condensado se alguém oferecia algum bolo de chocolate de sobremesa no mês de abril, eu agradecia e não comia, afinal faltavam 8 meses para o fim de ano. Se fosse em dezembro, eu agradecia e comia porque nesse mês eu estava liberada.
Minha mente já estava condicionada a isso, chegou janeiro acabou a vontade de comer chocolate, era estranhíssimo. E quando acabou a faculdade eu não tinha mais motivos para comer chocolate só no fim de ano, comecei a comprar um aqui, outro ali, comia um pedacinho e deixava o restante dentro de sua embalagem em algum canto da casa. Quando ia procurá-lo, nunca achava. Acho que uma de minhas irmãs que tem um faro incrível para doces e chocolates encontrava-o antes que eu ficasse com vontade novamente.
Minha mãe podia enterrar os chocolates de fim de ano na horta que ela encontrava no dia seguinte. E vinha me contar na expectativa de que eu participasse de algum plano incrivelmente mirabolante de comer os chocolates enterrados sem a mãe perceber, quando iria desenterrá-los para nos presentear. Hoje ela faz isso com os filhos dela. Eu compro chocolate para meus sobrinhos e faço-os comer na minha frente.
Muitas pessoas podem perguntar sobre a Páscoa e suas guloseimas, sim, nós ganhávamos cestas com ovos pintados milimetricamente pelo meu pai e cheios de amendoins torrados cobertos com açúcar. Ganhávamos coelhinhos de chocolate também, mas isso era antes da gente começar a ir para a escola.
O tempo foi passando e a compra de chocolates se intensificou. Adquiri também nesse período a arte de escondê-los e também de esquecer onde estavam, e minha irmã se tornou uma expert em investigação de objetos perdidos: “não acho”, ela me dizia. Só que eu tenho uma leve impressão de que ela encontrava-os logo que eu escondia e dava cabo neles com uma rapidez alucinante.
Passei a ser uma consumidora mais frenética quando casei, meu marido comprava os chocolates por mim e eu achava isso o máximo. Mas só conhecemos realmente com quem convivemos depois que não achamos mais os chocolates que escondemos.
Dia desses, em caráter de mudança, fiquei incumbida de tirar as roupas do armário para irmos para nossa casa nova. Encontrei quilos de chocolates escondidos no meio das roupas dele, inclusive os meus chocolates! Quando fui tirar satisfação, ele me disse com a maior cara de pau: “Ainda não é dezembro”.