Quandos os elefantes querem o céu
Mais uma manhã como outra qualquer, o despertador soou as seis horas, ainda meio sonolento levanto da cama e tropeço ao tentar encontrar meus chinelos que conduzirão meus passos cambaleantes até o banheiro, ligo o chuveiro que é parceiro fiel na difícil tarefa de manter-me acordado, o xampu que escorre até meus olhos termina a labuta, acaba com qualquer resquício de sono que por ventura ainda rondasse meu despertar. O café já perfuma toda a cozinha, só quero sentir o meu paladar invadido pela pretura estimulante da cafeína, mais uma companheira dos meus inícios, meios e finais de dias sucessivos de pura repetição, algumas vezes agradáveis mas na maior parte do tempo puro devir, horas que se arrastam como um elefante com suas patas traseiras quebradas. Penso no ônibus que me espera e que daqui alguns minutos completará o peso de meu corpo sobre minhas patas quebradas; gente espremida com rostos mal dormidos como o meu, possuidoras de pés tão deformados quanto os que carrego e me carregam, uma manada de elefantes defeituosos, decrépitos, que movem e se movem no transporte coletivo, nas empresas, nos shoppings, deveríamos por fogo em tudo isso, pois foram eles os causadores de nossas deformidades.
Respiro fundo enquanto preparo um sanduíche de mortadela e queijo que será meu dejejum, um prazer simples que dissimula o meu destino previsto numa borra de café cética, ascética, meu único passo lógico a dar, é dado, uno as duas metades do pão divididas por fatias de meu prazer vulgar, levo-as em direção ao meu rosto, instintivamente ou talvez na intenção de saborear oniricamente o sanduíche, fecho meus olhos, abro minha boca, mas sinto os frios envolverem minha cabeça juntamente com o cheiro de pão, mortadela e queijo, dentes afiados parecem rasgar a carne de meu pescoço, daí em diante não sei o que aconteceu, apenas sei que acordei em uma arquibancada de circo, dormi sem querer no ombro de minha mulher uma elefanta, no picadeiro, bichos homens de quatro pés realizavam piruetas ao estalar do chicote, ao final do espetáculo, todos nós elefantes levantamo-nos, bípedes, com nossos filhos e esposas entramos em nossos confortáveis automóveis e conversamos durante o trajeto de volta para casa sobre, as condições dos bichos homens nos circos, nos zoológicos e nos trabalhos de carga.