As atletas do Século XXI
A coisa não havia chamado minha atenção quando vi pela primeira vez uma mocinha dos seus 20 anos caminhando na calçada, exercitando o corpo e os músculos. Claro que isso não é uma novidade, não fosse que além da indumentária esportiva que consistia em tênis, meias, calça para ginástica azul, regata branca, havia – pasmem – uma bolsa tira colo da marca caríssima VH. Estranhei aquilo com um: “bom, tem louco para tudo mesmo”. Deixei para lá aquela esquisitice que já estava achando ser minha, visto que o tempo passa e as coisas mudam, então pensei que, depois da caminhada ela fosse comer legumes ao vapor num restaurante da moda e assim justificasse a bolsa tão fora de lugar. Pena que esse restaurante da moda não existe em nossa humilde cidade. Olhei de novo para aquela mocinha e vi outra coisa bem fora de lugar também, uns óculos de sol que eu só sairia em dia de casamento. Uma marca famosérrima em fonte 50 Arial/negrito nas laterais que deixava o pescoço a descoberto, e na realidade foi bem isso que me chamou a atenção mesmo, porque os óculos da moda são aqueles que escondem o rosto com as iniciais de uma marca famosa e todo mundo acha bonito e bem poucos podem comprar, ou vá lá, se se tem um amigo que viaja para o exterior ele bem pode trazer um igualzinho ao da nossa atleta em questão por um preço bem acessível. E o que é melhor, ninguém sabe que é “cópia” se você não contar...
Voltemos à nossa atleta.
Dias depois – eu não tinha percebido antes – vi em vários lugares da cidade estereótipos compatíveis com nosso espécime número um que chamarei daqui por diante VH-DG01 (VH da bolsa e DG dos óculos). Não vou me ater à marca dos tênis porque daí o texto vira propaganda e a nossa atleta vira um veículo mudo de marketing do século XXI, e não queremos que ela seja rotulada pelas diversas marcas que usa, sendo que, tenho certeza, ela seja uma pessoa muito interessante sem essas futilidades. Bom, dias depois encontrei muitas mulheres iguais à nossa primeira atleta VH-DG. Não sei o que tentam fazer, se estão tentando uma revolução. Espero do fundo do coração que a esqueçam antes que a vestimenta se torne “traje de gala” em eventos importantes. Será que elas levam garrafinhas de água dentro da bolsa? Não, não pode. Imagine se chega a vazar líquido lá dentro e molhar o precioso forro bordado com fios dourados? Não, elas não são tão irresponsáveis assim. Isso só é permitido com o cartão de crédito da mãe ou com o talão de cheques do pai, só. Fora isso elas são um modelo de mente antenada com as últimas fofocas de artistas.
Imaginei onde tudo isso poderia parar – e pode ainda – sem rodeios nem lamentações:
• Time de Vôlei feminino só entra em quadra com brincos da H.Stern. Cada atleta com o brinco do seu signo no horóscopo chinês.
• Time de futebol de salão só entra para jogar com camisetas lançadas ontem pelos extra-terrestres que visitaram Ipuaçú-SC; elas não retém cheiro de sovaco, troca a cor conforme o time e solta perfume de lavanda quando o jogador que a veste marca um gol.
• Criança só entra no parquinho com um celular intercontinental – que haverá de ser inventado algum dia – com o que, poderá se comunicar em todas as línguas para qualquer lugar do mundo sem gastar nada, apenas usando o pensamento (uma espécie de telepatia globalizada).
• Ah! E por fim, a alta classe alta cuja numeração me escapa – acredito que devam existir mais de 30 tipos de classes sociais no Brasil, incluindo os subgrupos “A”, “B” e “C” – que podem ter um robô top model, daquelas bem bonitonas que usa roupa de atleta, uma bolsa VH, uns óculos DG ou RB ou qualquer outra inicial desde que esteja nos limites da fama; e que acha que todo mundo tem inveja quando olha para ela.
Essa nova leva de atletas VH-DG bem que poderia ficar em casa escovando a bolsa para tirar pelinho enquanto que as atletas de outrora possam caminhar em seus exercícios diários sem se preocupar se estão na moda ou não. Toda vez que caminho e encontro uma VH-DG – encontrei uma usando óculos de sol DG às dez horas da noite – fico pensando no consumismo exagerado que ronda pelos cantos mais obscuros e fico também preocupada com o meu colesterol que atinge níveis estratosféricos quando não sei se estou na moda mesmo usando o mais simples traje para caminhada “daqueles que não tem como errar”.
É muita pressão, a minha bolsa VH não é tira colo.