"O" Gente Boa

Carlos Eduardo era um rapaz educado, daqueles que falam com todos do prédio: porteiros, vizinhos, zelador, faxineiro, até com os cachorros ele conversava. Ajudava as velhinhas a atravessar a rua, brincava com as crianças e jogava muita (mas muita) bola. Sempre com o papo agradável, era atração em todos os lugares.

Não era da turma dos fofoqueiros: – Ah! Cada um sabe de si... – aclamava. Também não era da turma dos baladeiros, embora gostasse de um samba e de uma cerveja bem gelada. Ele não tinha uma tribo, ele pertencia a todas elas. Desprovido de preconceito, sua maior ambição era uma prosa, uma boa prosa. Enfim, Cadu era o típico gente boa.

Todo mundo conhece um gente boa pelo menos uma vez na vida. Você encontra o rapaz no elevador, ele dá um boa noite com vontade, não um boa noite entre os dentes. Logo vem o assunto do tempo e, sem mais nem menos, ele está contando uma piada:

- Sabe a última do português?

Você, obviamente, não conhece a piada (a não ser que seja um gente boa!). O gente boa, por sua vez, sabe contá-la muito bem. Porque convenhamos, nada pior do que uma piada mal contada!

Cadu era assim: arrancava sorrisos por onde passava sem fazer o gênero bobalhão. Nem o sorriso mais tímido estilo Monalisa resistia às graças do rapaz. Era preciso ter um bom dentista, pois os dentes ficavam todos expostos e exaltados quando ele falava.

Cadu era assim: acelerava os corações das mais belas (e das mais feias) moças. O celular dele vibrava mais que a torcida do Timão quando o Corinthians subiu para a primeira divisão, tamanha a quantidade de torpedos que recebia. Sem falar no assédio no Orkut e no MSN. Ele gostava da fama com as garotas, mas não era mulherengo.

Carlos sempre foi homem de uma mulher só. Com apenas 8 anos perdeu o pai em um acidente de carro. Filho único. Restou apenas ele e a mãe. Aprendeu desde cedo a cuidar e a respeitar uma mulher. Jamais magoaria uma garota por conta da vaidade ou da crueldade, embora muitas vezes a recíproca não fosse verdadeira.

Foram muitas Ju(s), Lu(s), Fê(s) e Carol(is) que estilhaçaram seu coração de gente boa. Depois de tantas desilusões, descobriu: mulheres não gostam de caras bonzinhos. Mesmo assim, não estava disposto a mudar, continuaria tratando-as bem apesar dos conselhos dos amigos:

- Mulher gosta é de homem galinha. – Esbravejou um na mesa do bar entre os goles de cerveja.

- É, Carlos! Esse negócio de abrir a porta do carro e mandar flores ta ultrapassado. – Completou o outro.

Nessas conversas de botequim, quando o assunto é dor de cotovelo e se está numa roda de homens, sempre vem o comentário:

- Mulher gosta é de dinheiro!

O amigo esquecera que no caso de Cadu dinheiro nunca foi problema. Aos 28 anos Carlos comprou sozinho seu apartamento na Barra da Tijuca, a duas quadras da praia. Tinha seu próprio carro e uma quantia de seis dígitos (antes da vírgula) em sua conta bancária. Tudo fruto do trabalho suado. O cara reunia inúmeras qualidades e ainda tinha dinheiro! O que estava dando errado?

Carlos resolveu ir embora. Queria acertar a conta. Estava farto daquelas chatices dos metidos-a-entendendores-de-mulheres. Ia pra casa descansar e ler um livro. Os amigos não deixaram.

- A saideira, a saideira. – Falou um, convencendo Cadu a ficar mais um pouco.

Foram muitas saideiras. Umas sete ou oito. E na saída do bar, Cadu não conseguia fazer o quatro, talvez pudesse ficar de quatro e engatinhar até o prédio. Preferiu ir andando. Ainda bem que era pertinho. Cada passo era feito com muito esforço.

Uma moça ao ver o estado de Carlos resolveu se aproximar. Era a Bia, vizinha da frente. Muitas xícaras de açúcar ele já havia pegado na casa dela. Ela se ofereceu para acompanhá-lo até em casa. E foram proseando a caminho do prédio, falando das bebedeiras que tiveram e das que presenciaram. Após muitas gargalhadas, Bia fala:

- Isso me lembra uma piada. Sabe aquela do português bêbado?

Ele sabia, mas disse que não. Ele era gente boa, conhecia todas as boas piadas. Riu. Nem teve que fingir achar graça, ela também era gente boa.

Gisela Andrade
Enviado por Gisela Andrade em 18/02/2009
Reeditado em 04/11/2009
Código do texto: T1446550
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