O dano colateral do Efeito Placebo

Na minha última consulta médica, entre uma conversa doentia e outra, entrei no assunto dos placebos. Placebo é o seguinte, falando grosseiramente: “Um depressivo que toma um comprimido de farinha, não sabe o que está tomando e acaba ficando bom”. Não tenho nada contra depressivos, foi uma figura de imagem; poderia ser um hipertenso, ou um sofredor de enxaquecas horripilantes, apesar de que - pessoalmente - eu tenho sérias dúvidas a respeito do efeito do placebo nas enxaquecas. Conversando sobre isso com o médico resolvi experimentar.

- Experimentar o que?

- Experimentar o placebo, ué.

- Mas se você sabe que é placebo, não funcionará.

- Eu sou uma pessoa bem influenciável.

- Acho que vou te encaminhar para um psiquiatra.

Combinamos então a doença – enxaqueca – e o dia de iniciar o tratamento seria assim que tivesse uma crise horripilante, e, de acordo com alguns sintomas climáticos, poderia fazer uma previsão otimista para uma enxaqueca de proporções homéricas para os próximos dois dias. O doutor incrédulo – segundo suas feições incrédulas – me deu uma caixa de comprimidos para o tratamento da enxaqueca.

- Esse é o placebo?

- Não vou te contar.

- Depois do tratamento vou precisar mesmo de um psiquiatra.

- Nem vou comentar sobre isso.

- Nem precisa não é mesmo? Imagina um médico dando placebo para um paciente? Comentei com um cinismo exagerado. O médico revirou os olhos.

Fui para casa olhando de canto de olho para a caixa de comprimidos. Será que era, ou não? Pensei que, além da enxaqueca eu tinha grandes chances de surtar. Bom, a enxaqueca começou cinco minutos após chegar em casa e a caixa com os comprimidos jaziam no canto mais escondido da minha bolsa. Tomaria ou não? Conforme intensificava a pergunta, mais latejavam as têmporas.

Tomei.

Fiquei com os olhos bem abertos em frente ao espelho do banheiro esperando a dor de cabeça passar. E se ela não passasse? Liguei para o médico.

- Doutor, e se o comprimido não for placebo e eu achar que for e a dor não desaparecer?

- Foi você quem quis fazer essa experiência. – Aqui notei uma entonação sarcástica na voz dele.

- Mas a dor é muito insuportável doutor...

- Agüente firme e me comunique após o tratamento ser concluído. O que posso adiantar é que verei se consigo uma consulta num psiquiatra que conheço e que é muito bom.

- Aaaaai que dor... Continuei a gemer no telefone mesmo depois dele ter desligado há dez minutos.

A dúvida era tão intensa que resolvi levar a história do placebo a sério e tomei o remédio verdadeiro para enxaqueca. Assim, de início, foi um alívio saber que dentro de poucos instantes a dor passaria, mas em compensação uma neura tomou conta de mim: E se o placebo não fosse placebo e eu tinha tomado DOIS remédios? Ficaria intoxicada com certeza. Liguei para o médico, mas ele estava em consulta. A ânsia de vômito rendeu-me náuseas estonteantes. Liguei de novo e a secretária notou o desespero em minha voz, disse-me que não iria interromper a consulta e assim que desocupasse, telefonaria.

- Duvido! – Respondi e me joguei em direção ao vaso sanitário botar para fora os dois comprimidos.

O alívio foi tão grande que até a enxaqueca passou, estava guardando a caixa com os comprimidos na bolsa quando o telefone tocou.

- Alou?

- O que foi que houve dessa vez?

- Vomitei tudo fora. A dor não passava e tomei outro remédio, fiquei nervosa porque talvez estivesse tendo uma intoxicação e comecei a passar mal. Eu quero saber se os comprimidos que me deu são de verdade ou não.

- É placebo.

- E porque não me disse isso antes?

Michele CM
Enviado por Michele CM em 18/02/2009
Reeditado em 13/11/2012
Código do texto: T1446194
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