O ANIVERSÁRIO DO PAPAI
Marina saiu da doceteria levando o bolo de aniversário que acabara de comprar.
Enquanto percorria a pé os poucos quarteirões que a separavam de sua casa pensava no seu pai e em tudo que estava acontecendo com a sua família.
Tinha muita pena do pai e culpava-se por isso.
Pena não é sentimento que uma filha deva nutrir pelo pai, mas era tudo o que sentia pelo seu. Pena!
Ele era agricultor, mas, quando se casou com sua mãe, moça da cidade, foi influenciado por ela a vender o sítio e comprar uma bonita casa na cidade.
A mãe batalhou muito, estudou, conseguiu uma boa profissão e uma invejável colocação enquanto ele alternava subempregos com longos períodos desempregado.
A diferença que sempre houvera entre eles acentuava-se cada vez mais e os dois brigavam muito.
Recentemente ele conseguira uma aposentadoria mínima e, desde então, sem ter o que fazer, começou a beber muito.
A mãe já nem brigava mais com ele, ignorava-o.
E hoje era o dia de seu aniversário!
Na véspera ele tinha pedido a esposa para comprar um bolo para comemorar, mas ela respondeu que bolo de aniversário é coisa de criança, e que ele não merecia nenhuma atenção.
Quando Marina era criança ela dera grandes festas de aniversário que culminaram com A FESTA dos quinze anos.
Depois disso, Marina preferiu comemorar com os amigos em um barzinho da moda, mas a mãe sempre fazia um bolo em casa e lhe dava um presente.
No seu próprio aniversário ela também preparava alguma coisa especial para esperar as amigas que vinham cumprimentá-la.
Mas, o aniversário do Papai nunca tinha sido comemorado.
Engraçado, só agora Marina se dava conta disso.
Quando chegou a casa o pai estava sentado em um banquinho na porta da cozinha, completamente embriagado.
Marina entrou cantando: “Parabéns a você” com a caixa de bolo que foi logo abrindo e colocando sobre a mesa.
O pai olhou-a meio distante, parecendo não entender bem o que estava acontecendo, tentando sorrir.
Quando Marina abraçou-o, teve que esforçar-se para reprimir a repulsa. Ele cheirava a bebida, suor, sujeira.
Mas, continuou tagarelando:
Encomendei uma piza daquela que você gosta. Por que não vai tomar um banho, colocar uma roupa limpa, aprontar-se para a sua festa de aniversário?
Sem responder ele levantou-se cambaleando e dirigiu-se ao banheiro.
Quando saiu, banho tomado, barba feita, roupa limpa, parecia outro homem.
Marina já arrumara a mesa, a piza fumegante, o bolo enfeitado e a jarra de suco de uvas.
Enquanto comiam, conversaram.
Marina falou de seu trabalho, seus estudos, seus lazeres.
O pai mais ouviu do que falou:
- Eu não tenho nada interessante para contar, minha vida é muito vazia.
- Você precisa arranjar alguma coisa para se ocupar. Talvez um trabalho voluntário...
- Mas a única coisa que sei fazer é lidar com a terra!
- Pois então, vamos comprar um lote de terreno e você pode fazer uma horta, plantar verduras, legumes, frutas, flores...
Os olhos de Bernardo brilharam:
- Seria maravilhoso!
- Só que para isso (ia tocar no ponto nevrálgico!) você tem que parar de beber. Você não gostaria de procurar uma ajuda especializada?
- Mas, eu não sou dependente. Posso deixar a bebida quando quiser.
Marina ia questionar, mas nesse instante a mãe chegou.
Vinha de um evento beneficente e quando Marina convidou-a a sentar-se com eles disse simplesmente:
- Nem pensar. Estou exausta. Vou para a cama!
O pai também disse:
- Já é tarde. Também vou dormir.
- Mas, pense no que conversamos
- Claro que sim. Boa noite!
- Boa noite, Papai!
Enquanto lavava a louça, Marina pensava na sua conversa com o pai.
Ia procurar um lote baldio para comprar a ajudar o pai a fazer a sua horta.
Sabia que não seria fácil, ninguém se transforma da noite para o dia, mas, quem sabe?
Ele teria, por certo, recaídas, mas se estivesse mesmo disposto a deixar o vício, ia conseguir.
E, o mais importante de tudo foi que Marina descobriu que o seu
sentimento pelo pai não era de “pena”...