O MÁGICO DE ARAQUE
Mais uma historia teve o seu ponto culminante acontecido no Cine Teatro Santo Amaro, no fim dos anos trinta ou limiar dos quarenta. Não é de se estranhar, porque era ele, no passado, a única casa de espetáculo existente na cidade, e ali eram realizados todos os grandes eventos. Não era como é hoje, que não tem Cine quanto mais Teatro, apesar da vocação artística que sabemos aflorar do nosso povo em todas as gerações.
A cidade era o que se pode chamar de remansosa e tranqüila: Os bondinhos puxados a burros transportavam passageiros, pela cidade, de estrema a estrema – eram eles a alegria da criançada aos domingos. Eu os guardo na memória com muita saudade. As suas pracinhas, trajadas a rigor para que os mais velhos pudessem prosear, botar a conversa em dia, bater papo, eram lindas e prazerosas; a Praça da Purificação sempre majestosa – palco de festas inesquecíveis para os que ainda sobrevivem. As pessoas se conheciam – todas – quase na intimidade e conversava-se sobre tudo: literatura, música, política, religião e, também, sobre futebol. Em quase toda residência da classe média ( naquela época havia classe média) tinha um piano e D. Aidil Barros dirigia uma escola que preparou pianistas e músicos de várias gerações. A quantidade de piano e de quem os tocava era tanta, que a cidade se dava ao luxo de ter um afinador que vivia quase exclusivamente daquele mister: Idelfonso Figueiredo – este era o seu nome – homem simples que tinha um porte de artista: cor branca, bem afeiçoado, cabeleira basta e um músico inato; chegou a tocar diversas árias, tendo como instrumento, apenas, um serrote de marceneiro.
Um certo dia a cidade amanheceu cheia de panfletos: debaixo das portas, colados nos postes de iluminação, nas paredes, por toda a cidade, de ponta a ponta: houve uma verdadeira invasão de panfletos e todos diziam a mesma frase: AÍ VEM OSNOFLEDI!
Foi um alvoroço na cidade. Todos a perguntarem e a se perguntarem: Quem será Osnofledi? Aventuraram-se todos os tipos de conjeturas; Até quem conhecesse o tal Osnofledi apareceu: –“ É um circo. Quando eu estive no Rio de Janeiro fui assisti-lo. É um espetáculo!”. E assim as informações sobre Osnofledi foram as mais diversas. A curiosidade das pessoas estava aguçada ao ponto máximo. Não se falava de outra coisa.
Passaram-se muitos dias e as pessoas já não mencionavam tanto o enigmático panfleto, quando a cidade alvoreceu coberta, novamente, de anúncios e cartazes que diziam: “NO DIA 20 DE DEZEMBRO ÀS 20:00 H, APRESENTAR-SE-Á NO CINE TEATRO SANTO AMARO O GRANDE MÁGICO OSNOFLEDI”.
– Ah! é um mágico!
Pareceu ouvir-se soar em uníssono aquele Ah! por
toda a cidade. Ninguém atinara para um prestímano.
O ti ti ti voltou ao cenário da urbe. Não era sempre que se podia ver um grande mágico. Os circos, que periodicamente apareciam na cidade, apresentavam como parte de seus espetáculos um número de magia, é bem verdade, mas um espetáculo solo, um grande mágico do porte de OSNOFLEDI, era realmente imperdível.
Da curiosidade de se saber quem era ou o que era Osnofledi, passou ao desejo de se assistir ao espetáculo do grande prestidigitador.
O ingresso não seria barato, naturalmente, em se tratando de um artista daquele porte; por isso mesmo a população começou a se preparar financeiramente para a aquisição das entradas; sobretudo os jovens que não tinham mesada nem trabalhavam e o dinheiro naquela época era muito escasso. Basta dizer que os filhos pediam um tostão e quando, em dias especiais, lhes davam um cruzado,os pais ainda advertiam com muita ênfase: “Agora vá esbanjar! “ Mas de tostão em tostão, de mealheiro em mealheiro, uma grande parte da população estava preparada para, no dia aprazado, compor, no Cine Teatro Santo Amaro, uma grande platéia.
Dito e feito: Às 19 horas do dia 20 de dezembro daquele ano o Teatro estava superlotado e às 20 horas em ponto, soava o primeiro sinal para a entrada do artista. A platéia atenta e ávida, ao ouvir o segundo sinal e à entrada exuberante do artista, explodiu, de pé, em aplausos. Vestido de árabe, na cabeça um belo turbante e a desenvoltura própria dos profissionais, a entrada do grande mágico Osnofledi foi extraordinária.
Porém durou pouco: Alguém, antes mesmo da primeira magia, reconheceu, por traz daquela fantasia, a figura simplória do conhecidíssimo afinador de piano Idelfonso Figueiredo.
Foi o bastante: Aqueles aplausos insentivadores, transformaram-se, num instante, na mais terrível vaia, com tudo que uma boa vaia tem direito - da casca de laranja ao ovo podre. Que desastre! Que terrível desastre! O pobre Idelfonso não teve, sequer, a oportunidade de provar o seu talento. Que pena! Quem sabe, com a veia artística dos santamarenses, não surgiria ali, naquela hora,um grande mágico? Ficou, apenas, para demonstrar o seu dom de ilusionista, a inversão de IDELFONSO para OSNOFLEDI.