Lembranças de um menino qualquer, numa praça qualquer, numa cidade qualquer
Um vento frio toca levemente o rosto de Jairo. Ele acorda. Tenta se proteger, mas logo verifica que a tentativa é inútil quando se trata de estar acomodado sob um viaduto.
Jairo olha para horizonte e a vida torna-se uma pequena novela.
Lembra-se da mãe, Irene, dos irmãos Júlio e Jefferson: "Será que estão bem?" questiona. Por um momento a poesia da narrativa traz a lembrança os momentos das brincadeiras onde todos eram super-heróis. Ele e seus irmãos formavam uma Liga imbatível contra o mal. Cada um tinha um poder especial: Júlio era o mais rápido entre os viventes; Jefferson tinha o soco mais potente e ele, Jairo, como irmão mais velho, liderava o grupo de heróis. Uma frase volta aos pensamentos...Mal. É o mal tem um nome: Pedro. Um nó no estômago seguido de um aperto no coração, faz com que o menino tente se virar como que pudesse fugir da lembrança do padrasto. É inevitável voltar a "ouvir" os gritos da mãe, logo depois de mais uma chegada do "mostro Pedro". Ouve-se os ruídos como se algo batesse em outro algo. Na memória infantil de Jairo, algo precisa ser feito.
Um dos irmãos, Júlio, acorda e grita: "Mãe!". Uma voz grave carregada de ódio responde:"Cala a boca, desgraçado". Por um momento Jairo volta à realidade. Olha em volta. Vê os companheiros que dormem, acomodados em suas "camas" de jornal. Se sente só. Ainda que entre os "amigos". Sente falta da família. Chora baixinho, pra ninguém ouvir. Porém as lembranças recomeçam e Jairo se vê indo até onde está o irmão mais novo, Júlio: "Fica quieto". Júlio não entende, mas sofre. Chora. "Não chora. Lembra do que a mamãe falou, ele vai se acalmar". Não adianta, Júlio continua a chorar. Os gritos da mãe latejam na mente dos meninos. Jefferson está assustado olhando para o nada. Jairo tenta "controlar" a situação, mas Pedro chega e antes de falar, aplica um chute em Júlio que grita de dor. Irene, a mãe, tenta intervir. Leva um soco. Cai. "De novo não" pensa Jairo. Ele vai pra cima do padrasto. Sente o peso da mão de Pedro. Sente a dor. A dor. Vira a cabeça, como se dirigida por algo até a mesa do único cômodo do barraco. Uma faca. Pedro se senta na poltrona e respira. A mãe, esta sentada num canto com Julio nos braços. Um acesso de fúria, grita "E agora!". Jairo levanta correndo, pega a faca e antes que Pedro pudesse reagir, sente a lamina penetrar seu peito.
A partir, daí o cenário volta ser o viaduto. Jairo se sente como o Super-herói que salvou sua mãe e seus irmãos do monstro. Ele passa a mão na cintura e sente o frio da faca que carrega como um troféu.