O vendedor de óculos

Semana passada o Valdemar me convidou para ir com ele até o Brás. Ele queria aproveitar as liquidações de roupas que sempre acorrem no começo do ano ali naquela região.

Para quem não conhece o Bairro do Brás aqui em São Paulo, ali é o local onde se reúnem umas dez mil lojas de confecções a preços populares para revenda. Você encontra desde meias e cuecas até ternos de primeiríssima qualidade. E se tudo ali já é muito barato, após as festas de fim de ano, em que as vendas caem bastante, os preços são reduzidos pela metade na tentativa de atrair a clientela. Por isso muita gente deixa para fazer as compras na segunda quinzena de janeiro.

Resolvemos ir de ônibus, pois o Valdemar ficou com medo de não encontrar lugar para estacionar o carro e depois ter que deixá-lo em algum lugar distante de onde iríamos. Pelo caminho contei a ele que havia mandado fazer um óculos novo, pois o meu já estava meio defasado. A mais de dez anos que eu não fazia um exame de vista. Paguei cinqüenta reais para fazer o exame e mais quinhentos e cinqüenta pelo óculos.

----Quinhentos e cinqüenta?!!! Sê tá ficando louco! -Gritou ele.

----È que ele é cheio de teretetê! -Expliquei- È daquelas lentes que servem tanto para longe como para perto, e também a lente escurece e fica parecendo um óculos de sol quando recebe muita claridade, e a armação é coisa chique. È dessas modernas.

----Eu também estou precisando mandar fazer um óculos, pois tem muita coisa que já não consigo ler, principalmente aquelas letrinhas das bulas, que vem nas caixas de remédios.

----É melhor não ficar adiando não. Você vai deixando o tempo passar e acaba ficando cego. -Expliquei para o Valdemar

----Só que eu vou mandar fazer um baratinho. Não quero óculos cheio de frescurada não. Só vou usar ele para ler. -Respondeu.

----Tem óculos de tudo quanto é preço. Você é quem escolhe o modelo. O mais barato está saindo em torno de uns cento e cinqüenta reais. -Expliquei

Mudamos de assunto e continuamos a viagem até que chegamos à Rua Maria Marcolina. Descemos na esquina com a Rua João Teodoro. Rodamos por todas aquelas ruas que tem ali próximas a Rua Oriente, até que o Valdemar encontrou o que queria. Comprou calças, bermudas, camisas, meias e cuecas. Renovou o guarda roupa todinho.

----Tem uma roupaiada velha lá em casa que vou jogar tudo no lixo! -Disse ele.

E enquanto seguíamos em direção ao ponto de ônibus, paramos em um barzinho e tomamos um refrigerante cada um. Já era quase meio dia e o sol estava trincando.

----Tomaras que essa merda desse ônibus não demore a passar. -Resmungou o Valdemar, enquanto bebia o seu guaraná.

---- Sábado é uma tristeza. Já cheguei a ficar mais de quarenta minutos esperando o São Lucas, e quando o ônibus passou quase não consigo pegar. Fui pendurado na porta. -Comentei com ele.

Pagamos a conta e continuamos a nossa caminhada. Já estávamos quase próximos ao ponto de ônibus, quando o Valdemar resolveu parar em uma banquinha de camelô que vendia óculos. Tinha tudo quanto era modelo, inclusive uns que o rapaz da barraca informou ser para descanso e para leitura.

---Eu acho que vou comprar um destes que servem para leitura. -Falou o Valdemar

----Sê tá ficando louco. Primeiro você tem que fazer um exame de vista e comprar o óculos adequada as suas necessidades visuais. Tem que ter o grau certo. -Expliquei.

O rapaz que estava de costa para nós, atendendo uma cliente, ouviu a nossa conversa e, virando-se calmamente, respondeu:

----O exame de vista eu mesmo faço aqui na hora! Aguarda só um minutinho!

Tanto eu quanto o Valdemar não respondemos nada, apenas sorrimos com o canto da boca e olhamos meio desconfiado para o rapaz, que tentava vender um óculos de sol para uma moça. Assim que ele finalizou a venda virou-se para nós.

----È só para leitura que o senhor quer o óculos? -Perguntou para o Valdemar.

----È sim! Mas o exame de vista é o senhor mesmo quem faz?

----Sou eu mesmo! E é de graça! -Respondeu o rapaz.

Ficamos olhando meio desconfiado sem dizer nada, pois não estávamos vendo nenhum aparelho usado para esse tipo de exame ali na sua banca.

O rapaz, assim que guardou o dinheiro da venda que havia feito, abaixou-se e pegou uma bolsa que estava sobre uma caixa embaixo da banca. Abriu a bolsa, tirou um pequeno livro de dentro e entregou para o Valdemar.

----Vê se você consegue ler essas letrinhas ai do livro?

Era um pequeno dicionário com umas letrinhas tão miúdas, que eu até pensei que precisaríamos de um telescópio para poder entender o que estava escrito ali.

----Vai experimentando os óculos até você achar um que dê para ler sem ter que forçar as vistas.

Eu não acreditei no que estava vendo. Até que ponto chegava a criatividade dos camelos aqui em São Paulo para ludibriar os mais incautos. Eu já tinha visto de tudo menos aquilo.

O Valdemar experimentou uns cinco ou seis óculos, até que achou um que pareceu lhe cair bem. E realmente parece ter dado certo, pois ele estava conseguindo ler aquelas letrinhas ali do livro.

----É esse aqui! Quanto é que custa? -Perguntou o Valdemar.

----Dez Reais! -Respondeu o rapaz.

O Valdemar pagou e agradeceu. Eu permaneci calado. Não dei palpite nenhum. Se há uma coisa que eu não gosto de fazer é atravessar as negociações de alguém.

Assim que nos afastamos da banca o Valdemar estufou o peito, olhou para mim todo cheio de razão e gozou com a minha cara.

----Ai seu trouxa! Dez reais! E ainda ganhei o exame de vista!

----Sê é louco meu! Isso pode prejudicar a sua vista! Você nem sabe de que tipo de material é feito essa lente!

E o Valdemar, que sempre foi destes sujeitos meio largadão e bocudo, desatou a rir e depois respondeu gozando com a minha cara:

----Eu quero é que se dane! ! Eu nem sei ler direito mesmo! É mais para ver as figuras! Eu é que não vou pagar quinhentos e cinqüenta reais em um óculos só para por ele na cara e ficar parecendo um Zé Fuinha.

----Bom... prá quem só lê revista de mulher pelada... tá de bom tamanho! -Brinquei com ele.

Começamos a rir e só paramos quando avistamos o ônibus que vinha se aproximando. Assim que ele parou, embarcamos e fomos embora.