Uma mulher, uma fantasia...
Olívia era uma típica moradora de cidade grande. Escrivã de um cartório de registro civil, morava num bom condomínio.Os filhos tomaram as rédeas da vida e se foram. O marido foi antes, encantado por uma com metade da sua idade.
- Encantado, não, dizia. Porque “aquilo” é incapaz de se encantar com o que quer que seja...ganhou mais um tempo para enganar outra boba.Ou ser enganado por ela, o que eu deveria ter feito.
Não lamentava. Há muito que empurrava aquele casamento com a barriga. No seu íntimo, um alívio, quando ele tornou público um “caso”. Aproveitou a deixa e exigiu que saísse de casa, no que foi apoiada pelos filhos.
Sua vida não mudou em nada. Ou melhor, mudou pra melhor. Estava no limite de representar o papel de bem casada. Nunca se sentira assim. Ele nem boa companhia era, sem imaginação, sem talento para pai ou marido. Até como advogado era obtuso e se não fosse o parente político, nem emprego teria.
Todos os dias retornava do trabalho pra sua vidinha tranquila, suas plantas, seus dois gatos. Paz total. Um bom livro, um filme, a novela das oito...aceitava vez ou outra um convite de amigos, uma festinha de aniversário de parentes, um almoço com os filhos e suas namoradas, enfim, uma vidinha comum, para uma mulher mais comum ainda.
Mas, de uns tempos pra cá, deu-se em manias. Compulsões de ter. Primeiro foi com perfumes. Comprava fragrâncias diversas de todos os tamanhos, preços e marcas. No fim do mês, quase que seu salário não dava para pagar as contas, mas, por uns tempos, a sensação era de que o mundo fedia menos e que ela contribuía substancialmente para isso.
Depois, a mania dos calçados. Não voltava para casa sem um par extra. E o engraçado é que comprava qualquer modelo: do sapato salto quinze aos chinelos, botas, rasteirinhas, mocassins, sandálias altíssimas e abertas, até galocha, mesmo morando num lugar em que a chuva era rara.
A impagável sensação de pisar firme, de sentir que aquele chão era seu, foi substituída, ultimamente, pela sensação de lingeries sobre a pele. E mais, a mania veio com a descoberta que ainda era um organismo vivo, pulsante. Sublimara por tanto tempo sua natureza de fêmea, que quase aos 50 anos, se descobrir desejada e desejando era motivo para seu próprio espanto.
Com as lingeries, as fantasias retornaram. Intimamente, xingou aquele infeliz que, com seu desinteresse, sufocou sua capacidade de sonhar, de desejar. Depois xingou a si mesma:-Burra! Eu que me permiti sucumbir!
Olhava agora para os homens e se sentia olhada por eles. Era uma sensação boa, de poder. De se saber ainda capaz de interessar alguém, de sentir que, aberta para a vida, mais dia menos dia encontraria alguém para dividir a solidão dos seus dias. Casar? Nunca mais! Ser dona de seu nariz, não precisar dar satisfação de sua vida pra ninguém, isso não tinha preço.
Sempre quis e fantasiou o amor de um homem que gostasse do seu cheiro de mulher, do gosto do seu beijo, da textura de sua língua, do calor e da umidade de seu sexo, da selvagem delicadeza dos seus arranhões e mordidas de amor, da sensualidade do seu jeito brejeiro, de aparente timidez, do seu gosto por se dar meio vestida, a lingerie sugerindo aventuras.
“Aquilo”- como se referia ao ex, nem ligava se dormisse de camiseta puída ou pijama de seda. Na hora do sexo apagava a luz, arrancava sua roupa sem qualquer delicadeza e silencioso, não se interessava se ela queria estar ali ou não. Quando algumas vezes ousou algo mais, foi desencorajada:- Você quer ser tratada como uma puta, é isso?
-Sim, sim! Gritaria, se coragem tivesse.
-Se, para me sentir mulher por inteiro, preciso ser puta, eu quero sim!Estou farta de ser só depósito de esperma! E o que é uma puta senão outra mulher, como eu?
Nunca gritou. Nunca reagiu. Encolheu-se e caprichou no papel de excelente dona de casa e se voltou a sentir algum desejo, esqueceu. O trabalho fora e as tarefas de casa lhe consumiam o suficiente.
Com a mania das lingeries, voltou a se olhar, a se interessar pelo próprio corpo.Vestia uma das muitas que vivia comprando, fazia uma maquiagem bem leve, um toque da colônia favorita e imaginava um “alguém” que chegava e a surpreendia assim, pronta para o amor.
Na fantasia, a linguagem do desejo faria o resto. Abraço demorado, para sentir o corpo e o cheiro um do outro. Afagos, carinho nos cabelos, beijos leves, pressentidos e depois cheios de paixão, demorados, molhados. Pequenas mordidas, para sentir o gosto da pele, para arrepiar a alma.
Sem pressa, mas com a urgência de quem arde, explorariam cada centímetro de seus corpos. Um jogo de sedução, de desejo escancarado, sem nenhuma vergonha de ser caça e caçadora, de ousar, de ser em essência, fêmea.
“Seu” homem lhe sussurraria coisas que sempre quis ouvir: delicadezas, gemidos, murmúrios de carinho, obscenidades que soariam como música em seus ouvidos acostumados ao silêncio da indiferença. Esses “dizeres de amor” seriam as senhas que desarmariam suas últimas defesas.
Ali, fêmea no cio, se permitiria viver essa paixão, se entregar por inteiro, saciar sua fome de vida. “Seu” amado a tomaria, enlouquecido por seu cheiro, por seu gosto. E ela explodiria em sua boca, enlouquecida também e gritando seu nome, mãos em seus cabelos, unhas em seus ombros.
Encantado com tamanha fúria amorosa ele agora se deixaria devorar, mel nos olhos, boca sedenta de beijos, mordidas, sussurros e gemidos que encheriam aquele lugar de amor e luxúria. A mulher delicada daria lugar a uma fera que ele amaria amansar.
Quando, exausta, suspirando, desabasse em seus braços ele a cumularia de beijos, de muito mais carinho e mostraria para ela o quanto a queria e desejava. Ela se refaria e receberia então sua fúria de macho satisfazendo sua fêmea, em seu corpo de mulher que se entrega e ama sem limites e sem pudores.
No ápice de sua fantasia, Olívia sabia que, em algum lugar, alguém espera por uma mulher assim.
Da série : Histórias de vida de mulheres comuns