Vendo o mundo com outros olhos

― Meu arco-íris tem dez cores.

― Arco-íris de dez cores?

― Sim. Verde, vermelho, marrom, roxo, amarelo, cinza, azul, rosa, abóbora e preto.

― HEIN?

― É isso mesmo, se você não enxerga isso mãe é porque você é cega, eu estou vendo direitinho.

“Vou levá-lo ao médico, tenho que levá-lo urgente.”

Primeiro foram as brincadeiras, ou a falta delas. O menino nunca jogou bola na rua, bolinha de gude servia para fazer coleção, e empinar pipa era algo perigoso, “existem fios nas ruas sabia?”. Um pouco mais crescido, não se interessava por meninas, não tinha muitos amigos e vivia com livros nos braços. E agora andava vendo coisas demais, cores demais, perfumes demais... “Deve ter batido a cabeça, minha Virgem Maria, você foi mãe e pode me socorrer.”

― Seu filho está perfeito senhora. Menino continue imaginando coisas, isso nunca fez mal.

― Eu não imagino coisas, é tudo verdade.

― Sim, eu sei – sorrindo o médico se despediu.

Nada diminuía o desespero da mãe. Único filho e nele todos os sonhos.

O sonho de um neto, o desejo de cuidados para a velhice, o querer ele formado, meio príncipe encantado.

O futuro chegou e as coisas aconteceram como tinham de ser.

Netos, não; cuidados com a velhice da mãe, sim; formação acadêmica, também; príncipe encantado, nem tanto, talvez um lord.

Resolveu estudar o céu, já que eram de lá as maiores e mais estranhas visões que ele tinha. A mãe continuava sem acreditar no que ele dizia, e tudo ia ficando ainda pior. Segundo o filho, a Terra podia não ser o único planeta habitado e no universo existiam muitos outros planetas além do nosso sistema solar. A mãe não sabia nem ao certo em quantos planetas existem nesse sistema, quem dirá nos outros. “O que é sistema?”

A verdade é que com o passar dos anos, as histórias do céu passaram a alegrar a vida daquela mulher. As pernas perderam as forças e todo o movimento era feito pela cadeira de rodas. O lugar favorito passou a ser a janela da sala, onde flores dormiam no canteiro logo ali.

Todas as tarde o filho contava uma história, às vezes criada por ele, outra muitas lidas nos livros, e algumas vezes ele apenas olhava para o céu e era como se lesse um conto escrito pelo vento. A calma, a paz inundava todos os cômodos daquela casa, uma casa sem crianças correndo, sem promessas de descendência gigantesca ou heranças intermináveis.

Em um dia como tantos outros um arco-íris surgiu no céu, no exato momento da história.

― Veja filho, que lindo o céu está. Quais são as cores que você vê?

― Nem vou te falar mãe, aprecie o que conseguir, porque não há nada mais belo do que esse desenho feitos pelas mãos do universo.

― Eu vejo verde, vermelho, marrom, roxo, amarelo, cinza, azul, rosa, abóbora e preto.

― HEIN?

― Filho, não deixe a minha cegueira, ou o mundo apagar a beleza que os seus olhos vêem. Você é meu maior presente e é totalmente diferente dos meus sonhos. Você pode ver tudo com tantas cores seus olhos conseguirem reconhecer. Sim, o arco-íris para mim agora tem dez cores.