NEM TUDO É O QUE PARECE SER
Seguia com seu automóvel pelo elevado Costa e Silva, o famoso “minhocão”. Dia normal, de trânsito lento, nublado a ponto de despencar o céu. Depois que o programa Cidade Limpa foi implantado não tinha mais a Cicarelli para ficar olhando. Ela e sua calcinha, ali na curva do elevado. Cujo nome em inglês lembra aos mortais do sexo masculino de que jamais se deve perder a esperança. Diz a lenda que, por causa daquele “outdoor” alguns já despencaram por sobre os carros e pedestres da Av. São João. Ou será que ali já é a General Silveira? Não soube ao certo. Estava a pensar, divagando sobre as curvas do elevado e da dita-cuja, quase blasfemando a falta de fotos e anúncios, quando reparou que a cidade oferecia muito mais que propaganda. Os prédios quase colados ao elevado, suas varandas e janelas, alguns com plantas asfixiadas e mudas. As fachadas mal cuidadas, as janelas cobertas com panos rasgados e multicoloridos. Os jornais colados aos vidros com manchetes quase legíveis pela pouca distância. Neste momento avistou um pequeno sobrado, de cor laranja, espremido entre os prédios em cuja janela um moreno alto e avantajado estrangulava uma mulher. Ele ali, atônito, o trânsito lento, a descabelada agitando os braços ao som de Vanessa Rangel. Paulistano anda de vidro fechado, porta travada, ar ligado e som no último. Nem adianta tentar chamar a atenção do ocupante do carro ao lado. Pura perda de tempo. Olhou ao redor em vão, mas lembrou-se do celular. Claro, pra que serve o celular? Pra nada... pois não sabia o endereço, mal sabia descrever o local e os carros atrás dele começaram a buzinar. À sua frente já um grande vazio ia sendo ocupado pelos apressados da fila ao lado, ávidos por alguns metros de vantagem. Mais um pouco e avistaria a Praça Roosevelt, a alça de acesso da Consolação. O que fazer? “Hope for the Best”... pensando na propaganda da calcinha que não estava mais na curva ali atrás, ainda atônito, deu mais uma olhada na cena, com cara de espanto e horror.
Jorjão saiu de casa decidido: “Hoje acabo com aquela vagabunda”. “Ta pensando que me passa pra trás... de hoje não passa”. Com o endereço anotado foi ao encontro dela. Zuleide era prostituta, mas de muito respeito. A única coisa que não suportava era segurança que em vez de assegurar a sua integridade, estava mais preocupado em avisar o freguês da iminente chegada da polícia. É, e malandro ainda queria receber. Cada uma. Fazia duas semanas que não pagava a sua parte e sabia que a qualquer momento seria abordada com um sopapo na orelha em vez do costumeiro boa noite. Mudou de endereço, trocando um pardieiro por outro. Tinha um agravante, que era o fato de que não podia ficar longe da Major Sertório. Passava as manhãs dormindo e as tardes lavando e passando roupa, sua segunda ocupação. TV ligada, alguma receita daquelas que ela jamais faria, e bateram à porta. Não teve tempo nem de ver quem tinha lhe enfiado o “olho mágico” nariz adentro. Foi um estrondo e ela não viu mais nada. Só conseguiu sentir as mãos calejadas e fortes a lhe estrangular a glote. Podia distinguir o bafo, apesar da cachaça, enquanto era alçada ao ar esperneando e batendo os braços. Chutava e unhava em todas as direções, até que sentiu suas costas serem espremidas contra a janela. Tentou gritar e continuou a bater. “Arranco o olho desse desgraçado, mesmo se for a última coisa que faço”... No segundo que antecedeu ao choque, ainda viu o sorriso do Jorjão. Este, ao se certificar da mortalidade da queda, ainda deu uma última olhada para o elevado e anotou a placa do bisbilhoteiro que o olhara com os olhos esbugalhados. Cenas rápidas, instantâneas, mas suficientes para perceber um interesse muito acentuado por parte daquele motorista e o maldito do celular em suas mãos. Jorjão estava tão preocupado com sua regra básica, de não deixar testemunhas, que sequer notou o menino da vizinha que assistiu a tudo, escondido atrás do sofá. Sua mãe pedira à Zuleide que cuidasse dele enquanto ia ao médico.