OS BOLINHOS DE BACALHAU

Serafina era uma pobre e esquelética mulher. Tudo nela era fino quase sumindo. Os braços, as pernas, o pescoço e todo o resto.

Vizinha e amiga, Faustina era muito diferente dela. Gorducha, estava sempre alegre, de bem com a vida.

Era quituteira. Ganhava a vida fazendo doces e salgados para vender. Seus petiscos eram afamados, ela mal dava conta das encomendas, e, quando chegava a temporada de férias na cidadezinha praiana onde morava, as vendas aumentavam muito e ela contratava algumas pessoas para ajudarem.

Foi assim que, naquele movimentado dia de Dezembro ela lembrou-se da amiga, tão pobre, necessitando tanto ganhar um dinheirinho extra:

- Eu lhe pago por dia, conforme a sua produção.

- Mas, será que eu acerto fazer os salgadinhos?

- Acerta sim! Turista come qualquer coisa, nem que não esteja muito bom.

- Vou pensar.

Mas, já começava a matutar:

- Por que trabalhar para a Faustina quando posso fazer por minha conta e ganhar mais?

Sem querer a vizinha lhe dera a dica quando comentara:

- Os bolinhos de bacalhau são os mais procurados. Uma dúzia de bolinhos por cinco reais...

- Isso mesmo, vou fazer bolinhos de bacalhau!

Chegando no supermercado, a coitada ficou abismada. Como era caro! O dinheiro que tinha, mal deu para comprar um quilo de farinha, meia dúzia de ovos, uma lata de óleo... E o bacalhau? Que absurdo! Nunca pensei que fosse tão caro! Mas, a sardinha estava em oferta. 1,99 o quilo. Comprou meio quilo, pensando:

- Turista come qualquer coisa. Nem vão perceber a diferença.

E, mãos à obra! Vamos aos bolinhos.

Não tinha idéia de como fazê-los, mas, acabou fazendo uma massa de farinha com água e sal e recheou com a sardinha mais ou menos limpa e temperada.

Fritou-os no óleo e achou que eles até que ficaram com boa aparência.

Pretendia fazer 4 dúzias, mas quando foi embalar percebeu que tinha errado na conta, faltou um bolinho.

E agora? Que fazer? Não é que ela fosse desonesta, mas a única solução era fazer uma das embalagens com onze bolinhos. E foi o que fez.

Colocou tudo numa cestinha coberta com um pano branco como ela viu os outros vendedores fazerem e foi para a praia.

Uns rapazes meio bêbedos a chamaram:

- Ei! magricela! Traz essa gororoba pra nós!

Serafina não gostou muito dos seus modos, mas ficou feliz fazendo sua primeira venda.

Guardou os cincão, pensando:

- Já desempatei o material. O resto será lucro.

Passou por um casal com um garotinho que pediu:

- Quero bolinho!

A mãe ignorou a presença da Serafina parada à sua frente com a cestinha na mão:

- Espere um pouco que a gente compra da Faustina, que a gente já conhece.

- Mas estes foram feitos pela Faustina. Eu só estou ajudando ela vender, mentiu.

- Se é assim eu fico com uma embalagem.

- Oba! A metade já foi vendida! Amanhã vou fazer mais.

Mais uma voltinha e um casal que passava pediu:

- Cinco reais? Ficamos com uma dúzia.

Já a caminho de casa foi abordada por uma senhora muito distinta que saia da Igreja:

- Bolinhos de bacalhau? Eu adoro!

E lá se foi o ultimo pacote.

Serafina, feliz, com seu dinheirinho na carteira, já fazia planos para no dia seguinte dobrar a produção.

Mas, sua alegria durou pouco.

De repente sentiu-se agarrada pelo braço:

- Sua trambiqueira magricela! Então isto aqui é bolinho de bacalhau? Devolva já o nosso dinheiro se não quiser apanhar.

O bêbado jogou os bolinhos meio mordidos na sua cestinha enquanto seus companheiros mal-encarados esperavam o resultado.

Tremendo ela abriu a carteira, mas, antes que pudesse pegar o dinheiro ele arrancou-a de sua mão:

- Nós não somos assaltantes, só estamos fazendo isso para você aprender a não trapacear mais.

E a coitada mais magra e infeliz do que nunca voltou para casa sofrendo o seu fracasso.

No dia seguinte um senhor desconhecido bateu a sua porta:

- Sou fiscal da Vigilância Sanitária e estou aqui para examinar as instalações onde a senhora faz os bolinhos que vende na rua.

- Eu não tenho instalações especiais. Fiz na cozinha de minha casa.

- A senhora não sabe que é proibido vender coisas sem licença? Se for alimento tem que ter o alvará da vigilância sanitária.

- Eu não sabia. Muita gente trabalha assim.

- Mas houve uma denúncia. Uma senhora deu os bolinhos para a cachorrinha e ela morreu!

- Meu Deus!

O fiscal acabou ficando com pena dela e arquivando a denúncia.

Mas não parou por ai.

De repente a Faustina invadiu a casa gritando:

- Sua mentirosa sem vergonha, então você vende sardinha por bacalhau e ainda diz que fui eu que fiz?

E a amizade de tantos anos se desfez para sempre.

Dias depois, quando já estava esquecendo o vexame, Serafina encontrou com a beata que lhe disse em voz baixa:

- Você não devia enganar as pessoas, pois isso é pecado e os pecados podem nos levar ao inferno.

- Por que a senhora diz isso?

- Porque a dúzia de bolinhos que me vendeu tinha só onze.

Serafina, sem responder deu-lhe as costas e foi embora.

Dizer o que? Pedir desculpa? Perguntar se gostou dos bolinhos?

Quanto ao inferno, será que já não foi suficientemente castigada?

Maith
Enviado por Maith em 19/01/2009
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