História de Menina Bege

Daí que surgiu a vontade de contar essa história que só virou história, porque não tinha nada demais. Mais uma dessas estórias que nascem da banalidade de acontecimentos sem sal. É que essas meninas de hoje tem tonalidades opacas e bochechas pálidas, estão para o Bege como queijo para a goiabada. Então aqui começa o conto da menina Bege, acho que é isso: Falo dessas meninas que só botando o óculos para enxergar!

Dessas modernas que nem ao menos suspiram ao sentir o vento quando em bicicletas, e andam em marcha que um sutil levitar de saias babadas é apenas memória nostálgica. Dia após dia mais viris, menos a menos estendendo as mãos por aí, a não ser que o cabelo voe, claro. Foi mais ou menos por aí que percebi o perambular e disse me disse sobre Flora, mais uma dessas colegiais que saem e ficam na porta da escola esperando qualquer coisa passar. Alguma coisa existia nela, talvez fosse o empuxo ao Bege somente. Era de uma delicadeza grosseira, mas delicada, e isso não se vê nem em exposição de orquídeas nos dias de hoje. Flora não esperava qualquer coisa, mas alguma coisa…. E de cá para lá tem é coisa. É que se tratava de uma espera, de um desejo de algo ainda sem nome, mas que já tinha vida e força de ganhar espaço.

Pintava as unhas todos os dias para se certificar que o esmalte não ousaria sair em hora imprópria, afinal, nada mais constrangedor que não estar pronta para quando chegasse alguma coisa. Costumava usar sapatinhos coloridos guardados aos pares para não haver confusão, com estes também tinha acordo de parceria, pois em caso de chuva, nada mais elegante. A mochila, com essa ainda não havia estabelecido uma aliança, continuava com tintas de caneta e alças esturricadas de lavagens de longa data. Tudo uma questão de conversa. Na verdade, essa espera de nada, quer dizer, de tudo, abriam seus olhos de forma a estarem sempre vivos em caso de sinal. E sinal podia ser qualquer coisa, desde borboletas por perto, nuvens em formatos de seu nome à sonhos de que não se lembrava ao acordar. Mas saber que havia sonhado uma coisa importante bastava.

Tudo isso porque no fundo todo mundo quer sentir um pouco do sol de domingo e ter uma coleção de amores. Restinhos de amor também serviam para seguir a vida. Ela começou a achar que de fato o que queria era colecionar, não importava bem o que, mas colecionar dava a idéia de muito de alguma coisa, já que o amor todo não dava para colecionar, porque todo aqui lembrava um e um não é coleção, oras. Isso pareceu óbvio na hora em que divagava sobre o que queria, afinal. Mas afinal: (Pausa e pensou) ”Essa condição do amor que é não-todo caminha para um tipo de resto que não é a soma de muitos, mas sim, a falta de de algo essencial. Algo essencial“.

Passou pela sua cabeça se não seria aquilo que a faz pintar as unhas e estar sempre pronta, se não era esse essencial a alguma coisa que ela aguardava na vida, principalmente na porta da escola que, aos seus olhos, parecia um bom horário para surpresas. Afinal, tem uma certa idade em que as coisas ganham maiores proporções quando devidamente inseridas no contexto. O momento certo está principalmente na infância, quando você não ganha um super brinquedo da moda e jura que quando tiver o seu dinheiro será a primeira compra. Essas primeiras compras tem história, são infinitas, e no entanto, simples lembranças de como a felicidade em certo tempo de vida é material, se se pode assim dizer. Como se pudéssemos tocar levemente a superfície da felicidade nessas coisas que em um momento representam tanto ou tudo: Presentes que são verdadeiros embrulhos de felicidade materializada com fitas coloridas! Era como comprar todo seu dinheiro do momento em balas também, me lembrei agora. Você passava o dia comendo a felicidade que guardava no bolso e oferecia a um amigo caso fosse muito (muito) legal. Pequenas felicidades materiais.

Incontáveis também para Flora enquanto ela aguardava, era desse tipo de espera sufocante, um bocejo contido. Aqueles que se abre a boca na espreita do bocejo libertador que se anuncia e ele não chega, e não chega, e fica aquela sensação. Incompletude que merecia um tapa nas costas para ver se saia no bocejo.

Andava quase se arriscando a desconfiar do atraso, afinal, coisa essencial se atrasa muito perde o momento. Aquele momento certo para ser único ou não. Havia um início de vontade de se perguntar, mas perceber que havia uma angústia dava azar. Ela fingia que não tinha reparado, até então, a longa espera. Além do mais, o ano letivo acabava em dois meses. Quanta aflição, pois como infância foi tempo certo de coisas essenciais, e se teve nome, esse nome agora era Escola. Contexto escola igual perfeição para surpresas anunciadas em público.

Parece que chegou a passar por sua cabeça também algo sobre esse público, público quem? Passou rápido e pensando baixo para não fazer de suas precipitações à dúvida as suas dúvidas oficiais. Isso poderia ser fatal. A história já estava muito bem organizada e contada, mesmo sem saber do que se tratava efetivamente. Esses pensamentos surgiam sempre na qualidade de passagem, mas passavam se questionando da profundidade de sua espera. Parecia algo tão dela, e tão dentro que se tivesse escondido estaria nos pés que parecia um lugar mais disfarçado para se esconder coisas importantes. No entanto, não era algo escondido, mas sim desconhecido, e se o era para ela, aonde entravam, nessa história, essas pessoas todas que ela imaginava no momento (letras garrafais)???

Até porque não se tratava de esperar um trem que é algo bem visível, grande e passa sempre cheio. Talvez o que aguardava pudesse passar com a mesma mobilização que passa uma formiga. Apenas por questões de tamanho, pensando. Se era assim, poderia ser pequeno, poderia ser rápido, sutil, quem sabe invisível. Mas invisível? O momento certo implica em estar-se vivendo o momento certo, dividindo-o com outros personagens, trata-se de um contexto e logo as pessoas fazem diferença. Se bem que talvez não, porque embora Bege, Flora guardava algo de antigamente. Alguma coisa diferente. Talvez mais a frente possamos nomear o que, ainda não sei, talvez um tom de laranja surgindo na ponta dos cabelos.

Numa manhã de sábado, setembro, ela decidiu que, tudo bem, aceitaria pensar em uma dúvida. Mas apenas uma. A dúvida de esperar ou não.

Nessa espera cega não percebia que era o caminhar o sentido próprio da sua existência. Era querendo viver e se arrumando disciplinarmente para estar sempre pronta é que se vivia. É, era isso mesmo, viver para viver. Como não havia pensando nisso antes, mas só em setembro?

Foi nesse interstício que só depois ela percebeu que a curiosidade abria os sentidos e aguçava o olhar. As cores estavam lá o tempo todo, o Bege era um espécie de névoa. Era um véu costurado na existência jovem de Flora. Algumas meninas costumam demorar para perceber que se respira melhor sem o véu. Nada era tão bem arrumado assim também. A descoberta era a grande graça, a hora em que tudo começa, então, porque todo ar é pouco. As cores estavam aqui e ali, umas foscas outras tomando espaço aos poucos, mas sempre corajosamente. Aliás, a cada cor que abrimos caminho em nossa história é um ato de muita ousadia. Pois junto a elas vêem um mundo inteiramente novo puxando pela mão pequenas surpresas. Fabuloso.

No fim das contas, o Bege tem seu lugar e que ele dá até uma certa medida da vida. Não é a qualquer momento que se pode perceber um verde no olhar e um amarelo ainda desconfiado surgir. Até as cores têm seu tempo de aparecer, até que possamos recebê-las e percebê-las. Flora pôde vê-las, ou melhor, reconhecê-las porque pouco a pouco foi possível expandir um pouco mais o alcance do seu olhar.

Havia um leve movimento de braços a medida que abriam-se os olhos, um descompasso que se lançava no compasso de sua disciplina para esperar o que não se espera: O inesperado do viver. Ela não tinha braços suficientes, mas foi valente ao abri-los para agarrar a nova vida que brotava com delicadeza por de trás das cortinas Beges.

Afinal, Beges são cortinas e não meninas!

Gisela Giannerini
Enviado por Gisela Giannerini em 19/01/2009
Código do texto: T1393293
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