ADULTÉRIO

Ele recebeu o telefonema no meio da tarde. O escritório estava movimentado como sempre e ele teve que pedir silêncio aos participantes de um animado bate-papo na mesa ao lado pra entender o que a mulher estava falando. Ela falava baixo, o que não era seu costume.

-Vem pra casa que a gente tem que ter uma conversa...

O tom de voz era terrível. Uma mistura de ódio e decepção. Ele perguntou se alguma coisa tinha acontecido.

-Vem pra casa...

A mulher desligou e de pronto o homem se sentiu invadido por uma taquicardia incontrolável. Ok, ela descobriu tudo, ele pensou, aterrorizado. As faturas do cartão de crédito. Os presentes comprados pra secretária. O congresso em Florianópolis que não existiu. As aulas de natação que ele nunca frequentou. O futebol com os amigos que ele dizia que jogava de segunda à noite quando na verdade estava no motel. “Meu Deus”, ele gemeu enquanto enxugava o suor da testa e foi nessa hora que a secretária apareceu no final do corredor e deu a famosa piscadinha, signo estabelecido pelos dois pra dizer que aquela noite seria, de novo, delirante. Ele foi atrás dela.

-Toma um café comigo?

-Dois, ela respondou, safadinha.

Sentaram-se na mesa do refeitório. Ele suava em bicas e ela percebeu o nervosismo.

-Que foi?

-Minha mulher descobriu tudo!

-Quem disse?

-Ela mesma. Quer dizer. Não disse. Insinuou. A voz tava péssima.Acho que ela chorou o dia inteiro. Meu Deus, Meu Deus...

-Pensa no aspecto positivo.

-Que aspecto positivo? Eu vou me foder, merda!

-Acabou a farsa. Você assume , sai de casa. Teu casamento está falido há muito tempo. Não foi você quem disse?

-Cala a boca!-ele gritou batendo a mão na mesa e chamando um bocado de atenção no recinto.- Olha pra mim! Farsa é esssa nossa história! Eu nunca quis nada sério! A gente combinou que ia ser só por diversão, porra! Agora a minha mulher descobriu! Eu tenho conta-conjunta, apartamento mobiliado, meu sogro me adora! Ela tá fazendo tratamento pra engravidar! Porra! Porra!

-Escuta...

-Escuta você!- ele disse, enquanto esfregava as mãos no rosto.- Acabou Shirley. Não me procura mais!

A secretária suspirou. Já estava acostumada com as tentativas de separação. Achou melhor se retirar da mesa e deixar o amante com as suas elocubrações. O homem terminou o seu café, que desceu pessimamente no seu estômago, pegou o paletó e se levantou rumo à sua casa, como quem caminha em direção à guilhotina. Dentro do carro, veio elaborando os pedidos de perdão. A certeza de que a esposa era a mulher da sua vida parecia explodir em seu peito carcomido por lufadas de um arrependimento mortal. A separação seria a morte. Nunca soube cozinhar, nunca soube o que era uma vida regrada. Depois do casamento o colesterol tinha baixado, ele andava fazendo exercícios. Além disso, a esposa era linda e cheirava bem. Tudo era claro como água: ele amava a sua mulher! Por que então aquela aventura endemoniada? “Estúpido!”, ele dizia pra si mesmo enquanto batia na própria testa e nessa hora ele pensou que o perdão da esposa inauguraria uma nova fase de fidelidade convicta e serena. “Tenho medo. Tenho medo de viver sem você...”, ele pensava em seu discurso imaginário e diante do terror do abandono, chorou copiosamente enquanto o trânsito adiava o inevitável.

O homem abriu a porta e suspirou num semi-alívio porque a fechadura ainda não havia sido trocada. Olhou para o chão da sala procurando as suas malas que ele já imaginava estarem feitas. Caminhou pelo apartamento vazio em busca da mulher e a encontrou no quarto, deitada na cama, ainda vestida, como quem está exausta do sofrimento.

-Cheguei., ele disse num fio de voz.

-Senta aí, ela disse , de bruços, sem desgrudar os olhos da parede.

-O que que aconteceu?

Ela levantou-se bruscamente.

-O que aconteceu é hoje eu entrei naquele banheiro, vi as suas cuecas jogadas e aquilo foi a gota dágua! Eu cansei de recolher as suas roupas, de guardar as suas coisas, de arrumar a sua bagunça! Chega! Cansei, merda! Você acha que eu sou a sua empregada? Há seculos que isso me deixa louca e se a gente não resolver isso de uma vez, eu vou acabar tendo um câncer por causa do seu desleixo!

O homem imediatamente pediu desculpas e começou a recolher as roupas do chão. De fato, ele costumava ser um porco em casa, sempre contando com a boa vontade da esposa que nunca antes havia reclamado de arrumar as suas coisas. Foi até a cozinha e lavou a louça. Pegou um aspirador e passou no tapete da sala. Mais tarde, a mulher dormia depois de ter comido o espaguete que o marido havia preparado como forma de pedido de desculpas.

Foi quando ele se dirigiu à sala pra pegar o telefone, ligar pra Shirley e pedir desculpas, marcando um novo encontro num motel pra dali dois dias.

Leonardo de Faria Cortez
Enviado por Leonardo de Faria Cortez em 12/01/2009
Código do texto: T1380193
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