Paulinho

Ao tirar o bebe do berço, Márcia se viu diante da mesma sensação de insegurança que a afligira durante a noite. Embora aquele sentimento não lhe tivesse passado despercebido horas atrás, somente naquele momento ela realmente se dera conta de não mais saber como agir para acalmar a criança.

Paulinho agora repousava a cabeça nos braços da mãe. Ainda assim a mulher se pusera de imediato a imaginar que o garoto talvez não estivesse tão bem acomodado quanto quisera acreditar. Arrumou, então, delicadamente e com a ponta dos dedos, a mantilha bordada que envolvia o corpo do pequeno, ajustando-a devagar e com o cuidado necessário para não despertá-lo...

Decerto que em seguida o menino voltara mesmo a estar muito tranqüilo. Paulinho cerrara os olhos e parecia dormir sossegado. Mas até quando...?

Nem bem a pergunta despertara no pensamento da mãe, fora como se a criança a tivesse ouvido ou adivinhado. Paulinho abrira os olhinhos sonolentos e retomara o mesmo choro nervoso de minutos atrás.

- “O que é que o meu neném quer? Fala pra mim, Paulinho, me conta o que está acontecendo...!”

Ainda que mãe de primeira viagem, decerto que Márcia não esperara obter qualquer resposta do bebê. Entretanto chegara a se assustar ao perceber no rosto do garoto uma expressão “diferente”. Teria sido ilusão sua ou Paulinho de fato a espreitara com um olhar “esquisito”, certo ar de tristeza e reprovação no rostinho cansado?

Nos instantes que se seguiram a mãe viu-se levada a se defrontar com uma terrível suspeita acerca de sua própria capacidade para compreender os desejos e manifestações do filho. Aquela simples possibilidade de haver certa “tristeza” no semblante do menino fizera-se suficiente para torná-la um tanto mais angustiada do que já se achava nessa calorenta manhã de sol. Assim, sem saber muito bem o que fazer e agindo mais por instinto que racionalmente, a mãe aconchegou o bebê junto a si e ofereceu o seio a ele.

Paulinho remexeu o narizinho de um lado para o outro contra o peito da mulher, como um bichinho farejando leite. Em seguida parou de chorar e se dedicou muito ativo e concentrado a sugar-lhe a mama.

Daí a pouco, entretanto, o menino abandonou deliberadamente o peito da mãe e reiniciou a irritante gritaria, fazendo com que a mulher se percebesse num urgente desejo de tapar os ouvidos. Passara boa parte da noite com o bebê no colo e o pouco que conseguira dormir representara um quase nada, mínimas ilhas de sossego perdidas no gigantesco oceano do cansaço e da insônia...

No entanto, agindo na contramão de sua própria vontade, a mãe deitou o neném amorosamente na cama e voltou a conversar com ele na estranha linguagem das mães, mistura de meias-palavras, muxoxos, gestos miúdos e toques macios. Apalpou-lhe a barriguinha em pontos diversos, supondo ser possível que Paulinho pudesse estar sentindo dor num lugar qualquer e pôs-se a inspecionar cuidadosamente todo o corpinho do garoto. Retirou a blusa de tecido fino e a calça que lhe cobria as perninhas morenas. Ao ver-se livre das roupas, Paulinho agitou os pezinhos no ar e ergueu-os na direção das mãos com a volúpia de dentes mal-nascendo. Aquilo fez brilhar um sorriso nos olhos da mãe. Uma coisa ela podia afirmar sobre o filho: ele bem sabia como conquistá-la...! E na hora exata em que ela mais se sentia necessitada daquele incentivo...

Em seguida a mãe desabotoou a fralda do bebê e virou-o cuidadosamente de lado e de bruços, voltando a deixá-lo na posição inicial, de barriga para cima. Não percebera qualquer sinal de assadura em suas pernas ou nádegas. Pesquisou ainda a presença de alguma brotoeja ou picada de inseto, sem também nada encontrar.

Paulinho permanecera muito quieto e curioso durante todo o tempo transcorrido nessa amorosa investigação. Então - como numa suprema intuição - despontou na mulher uma idéia nova:

- “O Paulinho está sentindo calor? Meu neném gostou de estar peladinho junto da mamãe? Será que o neném quer tomar banho?”

Márcia amornou a água e em seguida banhou lentamente o filho. O garoto continuou quieto, prestando exagerada atenção nos movimentos da mãe. Talvez o bebê estivesse mesmo com calor: somando-se a quentura da manhã ao cansaço pela noite mal-dormida, aquele era um motivo mais que suficiente para que Paulinho se mostrasse tão agitado e nervoso...

Após o banho Márcia deitou o bebê ao seu lado e o cobriu com um lençol. Ainda por um instante o menino manteve os olhinhos arregalados e a mulher chegara a imaginar que a qualquer momento tudo iria começar outra vez, a choradeira, os gritos, seu mal-estar...

No entanto, Paulinho fixara na mãe outro olhar “diferente” e ela imediatamente interpretou aquilo como um “agradecimento”. Em seguida o garoto fechou os olhos e adormeceu.

A mãe se acomodou com cuidado junto ao filho e só voltou a despertar cerca de duas horas depois, com novo choro da criança. Mas percebeu imediatamente que aquelas eram lágrimas de uma espécie diferente: Paulinho acordara esfomeado...

Márcia arrastou o bebê para perto de si e ofereceu o seio a ele. Paulinho esvaziou-o rapidamente. A mãe direcionou o outro peito até a boca da criança e permaneceu algum tempo com os olhos nela...

Paulinho também manteve os olhinhos espertos grudados na mãe. Parecia extasiado e Márcia calculou que aquele garotinho guloso mamara em excesso outra vez. A barriga do pequeno parecia um balãozinho estufado e ele lhe dava a nítida impressão de que iria “explodir” a qualquer momento...

Mas em vez de se “estourar”, Paulinho deixou escapar um sonoro ruído através do pequeno orifício que se formara entre o cantinho da sua boca e uma gotinha de leite que ali se instalara impertinente.

O garoto ainda permaneceu acordado durante algum tempo, brincando com as mãozinhas em movimentos desconexos que mutuamente visavam se alcançar diante de seus olhinhos atentos...

Nessa altura, porém, Márcia não via mais nada: adormecera profundamente e em meio à profusão tumultuosa de imagens que vieram se formando em si, entre desejos conscientes e inconscientes, principiara devagar a aflorar um sonho no qual ela se via embalada numa mágica aventura por misteriosas terras povoadas de silêncio e enfeitadas por uma infinidade de flores das mais variadas formas, tons e tamanhos: rosas e dálias perfumadas extraordinariamente emudecidas, orquídeas e camélias multicores, mal-me-queres e girassóis e margaridas, todas geometricamente dispostas no formato de um grande coração sem movimento ou som...

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