Deleite dos Olhos dos Pais

Parece até que posso ver aquela garotinha, loira, bem vestida, parecendo uma princesa. Seu pai a mimavam e no bairro se destacava pela alvura da pele. A quem ela puxou com esse cabelinho tão claro? Perguntavam sempre, e os pais tinham que explicar que o avô materno era alvo e tinha os olhos azuis. Parecia um americano, completavam para que não houvesse dúvida quanto à origem da criança.

Criada como pobre, mas uma pobre que tinha de tudo e sem fazer qualquer tarefa para não estragar as mãos. Samara, esse era o seu nome, foi criada para ser servida. Não pôde descobrir que a vida é uma via de mão dupla, e que também há uma

Lei imutável: o que se semeia se colhe. Quem semeia milho não vai colher manga. Quem semeia jaca não vai colher azeitona, diziam seus pais.

Cresceu acreditando que o mundo girava a sua volta. E pra sua infelicidade pagou um alto preço até descobrir que pra tudo correr bem é preciso que uma mão esteja estendida num gesto de doação, mesmo que não haja outra mão estendida num ato de troca. Cresceu sem aprender que estendendo a mão hoje, amanhã encontrará braços estendidos.

Não ouviu conselhos. Quis viver a sua vida. Preferiu ouvir conselhos de tais pessoas que se diziam amigas. Quebrou a cara. Provou um fruto amargo.

Um dia fingiu que ia para o colégio, pois já tinha premeditado tudo. Sairia de casa no horário de sempre, entraria no colégio e sairia por outro portão, indo ao encontro de um namorado que a esperava na casa da sua melhor amiga. Segundo sua opinião: Sueli é mais amiga do que minha própria mãe! Sueli me apóia em tudo. Minha mãe, não. Pra ela tudo é errado, é impróprio, é indecente. Não sei por que Deus me deu uma mãe tão chata! Um dia eu fico livre dessa estrovenga! E meu pai, êta homem pra resmungar o dia todo! Enche-me o saco, o velho!Os dois se combinam. É farinha do mesmo saco.

Foi até a casa da amiga e lá teve o acolhimento esperado. Deram-lhe uma xícara de café, e apagou.

Uma vizinha viu quando ela entrou, mas não saiu. Viu sua mãe apreensiva passar em direção ao colégio e voltar sem notícia da filha. Chamou-a e perguntou o que estava acontecendo e quando aquela mãe disse que sua filha não tinha retornado da escola, teve que lhe dizer que o deleite dos seus olhos estava com o namorado numa casa que ficava a frente da sua casa. A mãe surpresa, sem querer acreditar foi até lá, e a informação que lhe deram: Sua filha não esteve aqui. Mal sabia ela que sua menina estava dopada, e sendo preparada para ser colocada num carro. Iam levá-la, só Deus sabe para onde!

Voltou chorando até a casa da vizinha que voltou a afirmar o que sabia. Não tinha outra saída. Tinha que procurar as autoridades. Quando a polícia chegou. Todos já tinham fugido. Sua filha jazia numa cama, cabelos cortados, pintados de preto; Ensangüentada e entorpecida.

Por que cortaram seus longos cabelos e os pintaram de preto? É que quando a polícia parasse o carro a procura de uma jovem loira iria encontrar uma jovem de cabelos pretos e curtos! A polícia foi atrás do rapaz e conseguiu colocá-lo atrás das grades, porém na mesma noite, alguém entrou em contato com uma pessoa que tinha uma patente excelente, e o delegado teve que mandar soltar o rapaz que segundo as ordens recebidas, não tinha cometido mal algum. A dona da casa e a mui amiga Sueli, também foram liberadas sem nenhuma mácula nos seus nomes. Os pais tiveram que engoli a dor, botaram o barco pra frente, calam para não morrer.

Deleite do meu coração ou deleite dos meus olhos como os pais a chamavam, continuou aprontando. Conheceu um viúvo que lhe prometia céus e terra, mas ela não queria tudo isso, bastava o filho do viúvo, enquanto levava no dedo o símbolo do noivado que pra ela nada representava.

Continuou nas suas andanças sentimentais. Numa dessas engravidou. Teve o filho. Não pôde criá-lo. E para aquela que um dia teve a ousadia de dizer: Fique tranqüila na sua casa não ponho mais os pés, foi justamente nessa casa que veio por muitas vezes buscar um prato de comida.

Pra finalizar essa história, conheceu um ser que se aproxima do que chamamos de humano. Já foi espancada, passou fome, rejeitada. Deixada pra morrer num hospital, apodreceu com uma infecção braba e só não morreu porque os pais chatos a socorreram. Mas quando ficou boa, inventou uma história dizendo que ia ali e voltaria logo. Resultado: voltou para os braços de quem ela entregou o coração.

A menina, deleite dos olhos de todos, tornou-se prematuramente, numa velha corcunda, cabelos ralos, pele resseca e manchada, olhos fundos, e andar trôpego. Trocou uma vida próspera para estar dentro de uma favela, com as portas fechadas, esperando a qualquer momento a polícia ou outros grupos armados chegarem para levarem Deleite dos meus olhos a fazer a última colheita,que por conta própria escolheu para si.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 06/01/2009
Reeditado em 06/01/2009
Código do texto: T1370691
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