Um anjo de segunda.
Na manhã de segunda meu nariz pulsa, escarrei uma meleca grossa e amarelada no papel higiênico. A gripe da Bolívia entupiu minhas vias nasais, além de trancar a minha válvula de disposição. Demorei uma hora no banheiro sem nem mesmo ligar o chuveiro, dei conta de que era segunda feira e liguei no inverno, deixei a água queimar o couro cabeludo. 3365-4545 é o telefone do Moto Táxi ou será 3345, alô você pode mandar uma moto aqui na José Ferreira da Costa, paralela a Presidente Vargas, aquela rua atrás do Deposito Consmasul.
Vou lá na sete de setembro entre a treze e a Ruy Barbosa, quanto dá mais ou menos? Pode parar ali meu amigo, na frente da receita estadual. Tenho um conto aqui para facilitar seu troco, um conto verdadeiro que resume o começo desta manhã. Você é um personagem de ligação na história, me trouxe do bairro periférico aonde resido ao centro aonde me escravizo.
Eita vidão, são oito e dez da manhã e a mais valia vai começar a escorrer abundante pra mão do patrão. O pior de tudo é logo ao adentrar a loja, dar de cara com uma figura mais asquerosa que o meu primeiro escarro do dia, deixa estar não será isto que vai estragar o meu dia. Quem sabe a dor de cabeça sim, essa paulada na fonte. Atravesso toda a loja e sem nem mesmo abandonar minha mochila no seu devido lugar ( embaixo da minha mesa de trampo) vou para o banheiro e lavo o rosto com água corrente, sem prestar atenção na insuportável figura que teima em dizer coisas em alto volume, uma forma de dar um ralo sem precisar olhar nos olhos, algo que não exige grande talento artístico nem caráter.
A atriz sem talento já se foi, vou buscar em meu interior as últimas forças para transpor o dia. Sorte minha ter sido agraciado da incrível capacidade de ignorar o ignorante. Fui levando, suportando mais uma manhã de segunda. Consigo conduzir o sofrimento somente sob a promessa de que a noite vai ser linda, ligo o off e mando um foda-se pra vida, agora a única coisa que importa é encontrar o anjo que caiu em minha vida.