Colorindo o mundo

O sol delicadamente acariciava a paisagem com seus raios, enquanto a menina, sem percebê-lo, corria com toda a força que conseguira reunir. Correra tanto que já perdera a noção do tempo, assim como a razão porque estava fazendo aquilo. Inesperadamente interessada, permitiu-se notar o pensamento que vagava livremente por sua mente, se dando conta de que tudo o que precisava fazer era parar, simplesmente parar. Obedecendo cegamente como um ser vivo às ordens da natureza, se deixou largar no chão. Foi aí que percebeu que o chão frio que tanto percorrera era um gramado encantadoramente verde. Agonia e incerteza deram lugar a uma calma que nunca experimentara antes. Subitamente percebeu que não precisava de respostas, não queria resposta alguma. Não havia perguntas para responder, não havia responsabilidade, não havia preocupação. Não havia a quem temer ou a quem orgulhar ou agradar, não havia nada além de silêncio, perturbado apenas pelo batimento de seu coração, que diminuía progressivamente à medida que se adaptava à nova realidade, até não poder mais ser percebido. Lentamente a paisagem outrora tão assustadora começou a lhe parecer familiar, como um lugar que freqüentara na infância ou um sonho que tantas vezes se repetira. De olhos fechados, percebeu que reconhecia cada milímetro do local, cada aroma que a penetrava, cada sentimento que experimentava. A expressão em seu rosto se suavizava à medida que se lembrava de cada detalhe, enquanto o sentimento de segurança e tranqüilidade cada vez mais se intensificavam. Sabia agora, como se a compreensão estivesse em sua mente desde que pisara ali, estava em casa. Reconhecia o lugar porque sempre estivera ali. Sentia positividade, um êxtase que seria insulto qualquer tentativa de descrição. Tudo fazia sentido nesse mundo sem porquês. Sentia, no entanto, a harmonia sendo desestabilizada vez ou outra, quando algo forte tentava a todo custo tirá-la dali, mas como da outra vez, sabia exatamente o que fazer. Recusara o convite tantas quanto foram as vezes que ele insistiu em aparecer, pertencia ali, sabia disso. Foi então que algo novo surgiu, uma súbita compreensão do que deveria ser feito para que os incômodos cessassem. Uma a uma, palavras carregadas de sentimento foram se agregando, até que tivesse conseguido a mensagem desejada. E após, sua mente voltou ao nada (tudo) de antes.

Fazia tempo que o sol não brilhava. Angústia e indignação eram visíveis em cada membro da família, assim como em cada pessoa que havia acompanhado a história da menina que perdera a vida em uma tragédia que chocou o mundo. O desejo de vingança que até então corroera tantas vidas deixou de fazer sentido, dando lugar a um repentino anseio por paz. Naquele instante, o mundo foi invadido por uma energia positiva que fez com que as pessoas compreendessem que por cima das nuvens negras brilhava o sol.

Há sempre dois lados de uma moeda. Duas escolhas. Cada qual nos afasta ou aproxima de nossos jardins secretos.

Não há nada de errado em querer enxergar um mundo cor-de-rosa.

Gabriela Telles
Enviado por Gabriela Telles em 03/01/2009
Código do texto: T1365672
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