A gorda

Desde que a vi era assim.A mulher era mal ajambrada de cara e de corpo. Era basicamente um amontoado de características humanas essenciais: boca, orelha, braço, perna, barriga. Características essas, mal feitas, grosseiras, como um borrão em uma folha em branco.

Seu jeito refletia o tipo físico.Tida pelos alunos como grossa, sempre a proporcionar o encontro daquelas sobrancelhas na cara enrrugada em gesto de reprovação.Seus dedos de cabeça gorda estão em minha mente sempre a movimentar o gesto negativo do indicador.

Mas eu quero mesmo é contar um fato dessa figura grotesca, a professora que, na verdade, acho mesmo que gosta bem de mim, mas não é por conta disso que deixarei de contar algo que notei.

Enquanto fazíamos qualquer tarefa, ela ficava lá olhando pela janela as chaminés.Naquele dia, enquanto nos concentrávamos, tocou o telefone.Após um pouco da Gorda dizer "alô" eu percebi uma luz dentro da sala que não me deixou mais acabar os meus afazeres.Quando olhei para frente, em direção a mulher, ela sorria, como nunca havia visto antes.Falavam sobre coisas do trabalho mesmo, foi o que pude perceber, mas a impressão que me dava era que não era só aquilo para ela. De repente, ela soltou uma gargalhada funda, atraindo atenção daqueles que, diferente de mim, nada tinham percebido ainda. A sua gargalhada longa, deixou-me ver suas amígdalas bem de perto. A gorda riu bastante como se não fosse mais aguentar e fosse cair dura ali mesmo, na frente de toda turma.Desligou.

Olhou para mim e disse : - Era o professor Ricardo!

eu fiz que sim, abaixei os olhos e logo os levantei novamente, a tempo de conseguir ver seu olhar que brilhava, voltada para a janela e o sorriso que ia sumindo lentamente, quase que sendo puxado pelas chaminés atrás do vidro.

Mulher gorda, mulher besta, mulher que gargalhou com a voz de um homem ao telefone.

Isa de vírgulas
Enviado por Isa de vírgulas em 03/01/2009
Código do texto: T1364528
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