Fragmentos Urbanos - Amizade sem fronteiras
FRAGMENTO 03 - AMIZADE SEM FRONTEIRAS
Eram amigos inseparáveis e de longos anos, e a amizade verdadeira entre eles é um tabu pra ninguém colocar defeito. Ambos tem a mesma idade, essa é a única semelhança, pois um é filho de japonês genuíno e o outro filho de angolano. Yejide Babajide é engenheiro civil e Yoshiro Namura é ator num grupo de teatro oriental. Os dois nasceram no Brasil e moram na capital paulista e freqüentam os mais diversos restaurantes, gostam de cozinha italiana e por isso freqüentam bastante uma choperia e pizzaria que fica na avenida Paulista. Quando chegaram estava bem cheio, e tinha uma mesa livre sobrando. Eles sentaram e pediram bebidas. Todos ao redor sempre olhavam para aqueles dois amigos que desafiam qualquer preconceituoso de plantão.
_ Até quando vamos ter que agüentar as pessoas olhando pra gente? – perguntou Yoshiro no sotaque característico.
_ Faz parte, é assim mesmo, parece que não pode haver amizade, companheirismo entre pessoas de países diferentes.
_ Mas somos brasileiros caramba! Direitos iguais é só no papel mesmo. – revoltou-se o japonês.
_ Calma, calma. Vamos comer pizza pra distrair.
Yejide e Yoshiro começaram a conversar e os olhares intrometidos continuaram e as pessoas que andavam na rua também olhavam.
Algumas horas depois, antes dos dois amigos irem embora uma discussão começou numa mesa próxima a eles. Dois rapazes se levantaram e começaram a trocar insultos, até que um deles desferiu um soco no outro. Uma roda se formou e todos se aproximaram para ver a briga. Yejide vendo que aquilo poderia piorar entrou no meio e separou os dois e justamente nesse momento chegou o dono da choperia empurrando todos ao seu redor e já fazendo uma expressão de condenação para com Yejide.
_ É você que ta causando tumulto aqui? – perguntou o homem se dirigindo a Yejide.
_ Só estou separando os dois!
_ Para de mentir neguinho, assume logo se não chamo a polícia.
_ Ele não tem nada a ver com isso. – interviu Yoshiro com voz trêmula e nervosa.
_ Ô japa ninguém te perguntou nada, vai pra casa estudar vai! – esbravejou o homem – Então não vai confessar a culpa? Pois bem vou ligar pra polícia.
Os rapazes que estavam brigando mudaram de comportamento e entraram no jogo do dono.
_ Ele me deu um soco sim! – disse um dos rapazes.
_ A gente tava olhando pra eles e o preto se levantou e chamou a gente de branquelo, ai eu retruquei e ele socou meu amigo. – disse o outro que tinha socado.
_ É mentira! É mentira! – esbravejou Yejide deixando transparecer o sotaque angolano.
_ Além de preto, é estrangeiro heim. No mínimo deve estar em situação irregular. – julgou o dono.
Minutos depois apareceram dois policiais que perguntaram o que ocorria. O dono do estabelecimento fez a acusação, os rapazes também rechaçaram o que outro falou e assim a policia algemou Yejide injustamente. As pessoas que tinham visto a cena não se envolveram mesmo sabendo a injustiça que estava sendo cometida.
_ É por isso que esse país não vai pra frente, eu sou brasileiro e to com vergonha de ter nascido aqui. – disse Yejide algemado e quase chorando. Yoshiro tentou ir atrás, mas o policial impediu.
Yoshiro saiu de perto da choperia mesmo sem pagar por sua imensa ira e ligou para os pais de Yejide que estranharam a situação e chegaram a pensar que o amigo estava de brincadeira, afinal os pais dele também não viam com bons olhos a amizade entre os dois.
Meia hora depois Yoshiro estava na delegacia junto com o advogado da família de Yejide. O advogado conversou com Yejide dizendo que iria tirar ele dali e depois foi ter com o delegado.
_ O amigo do meu cliente disse que ele não tem culpa e que foi incriminado injustamente.
_ Quem é o seu cliente?
_ Yejide Babajide, ele tentou afastar dois briguentos numa lanchonete e acabou sendo acusado, amanhã mesmo pedirei o hábeas corpus e irei processar o dono do bar e os policiais.
_ O senhor é o cliente daquele neguinho que acabamos de prender?
_ Senhor delegado, não queira ser outro a ser processado, retira o que disse antes que eu mude de idéia.
_ Está bem, eu mando libertar o seu cliente, mas peça pra que ele não se meta na briga dos outros senão ele sempre será apontado como culpado, o senhor sabe que é assim. Eu retiro o que disse, se é isso que o senhor quer.
_ Muito obrigado, ainda bem que o senhor me ouviu, não conhece a família desse rapaz e nem queira conhecer.
Yejide foi libertado na mesma noite. No dia seguinte, bem antes do comércio abrir, Yoshiro escreveu uma frase em português e japonês num cartaz e pôs na porta da lanchonete os seguintes dizeres: Fim ao preconceito!
FIM