A estréia de Alcebíades

Alcebíades estava afoito. Sentia o peso de toneladas de ansiedade obstruindo a ordem natural de suas sinapses.

Mas agora já não havia como desistir. Já estava tudo acertado. Em alguns minutos sua bela parceira chegaria ali a fim de quebrar a aparente serenidade daquele ambiente escuro, iluminado apenas pelos esparsos feixes de luz que encontravam as raras frestas da cortina que permanecia imóvel à sua frente, devidamente fechada, claro, como convinha a tal ocasião.

O grande momento estava chegando, e a ação estava prestes a começar.

Tentava, sem grandes resultados, acatar os conselhos do velho tio Durval, muito mais experiente nestas questões, e que, em conversa no dia anterior, havia tecido recomendações tanto quanto sucintas: "Procure não ficar muito nervoso pra não atrapalhar o desempenho, e não vá esquecer-se de encapar o bicho!"

Alcebíades recebeu uma educação exemplar. Como seus pais viajavam muito, foi criado praticamente pela avó, que acumulava os títulos de viúva de coronel do exército e professora de filosofia aposentada e, sem maiores pretensões para o futuro, vivia enfurnada em um apartamento na zona leste de São Paulo.

Além de ter estudado numa das melhores escolas da cidade, recebia diariamente os ensinamentos da velha anciã, que fazia questão de repassar todas as lições em casa, e ainda encontrava tempo para oferecer toda sorte de mimos ao precioso netinho. O resultado desta aritmética era de se esperar: ótimas notas e uma vovó cheia de orgulho.

Por admiração àquela distinta senhora ou quiçá por pura ironia do acaso, Alcebíades, que teria passado em qualquer vestibular, foi parar no curso de filosofia.

E talvez por isso mesmo ele tenha lembrado, naquele momento tão crítico, de algumas palavras de um dos últimos filósofos da era moderna:

"Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência."

"Maldito Kant!" repetiu para si mesmo.

O maior temor de Alcebíades residia, sobretudo, na possibilidade de decepcionar a bela Ana, que se trocava no banheiro e chegaria ali a qualquer instante.

Nosso protagonista conhecia Ana há pouco tempo, e, talvez como resultado da timidez que sempre o acompanhou somada a certa desinibição da moça, o convite para o encontro daquela noite havia sido feito por esta.

Alcebíades mal pôde acreditar na proposta de Ana. De início tentou argumentar que deveriam se conhecer melhor, que um momento destes exigia uma maior preparação, que ainda era cedo...

Mas os contra argumentos de Ana o desarmavam por completo: Ela tinha certeza que ele se sairia muito bem, e que não havia porque postergar este dia.

Alcebíades, que já havia conhecido a habilidade de Ana com as mãos, mesmo receoso, foi obrigado a aceitar a proposta.

E foi assim que, em meio a um turbilhão de pensamentos, Alcebíades viu Ana, linda como nunca, chegar ao seu lado, e, enquanto as cortinas do teatro abriam-se, sentar-se ao piano e iniciar as primeiras notas do recital que estavam prestes a apresentar.

Ao final do concerto, sob o som de aplausos calorosos, Alcebíades ainda lembrou-se das sábias palavras do tio Durval, e, num gesto hábil e certeiro, encapou seu clarinete.

Herr Brehm
Enviado por Herr Brehm em 16/12/2008
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