Excesso de felicidade
Adelina era uma destas moças que ninguém sabia dizer se era feia ou bonita.Magra, alta, corpo retiníleo, tinha fama de antipática entre os vizinhos. Tivera poucos namoros,curtos, diga-se de passagem.Mudava de opinião como quem troca uma peça de roupa:
- Já te falei que não gosto mais de beijo na orelha!
-Você é de amargar, hein, Adelina? Bem que me avisaram!
E assim, os namoros iam pra caixa prego.
O CASAMENTO
Depois de mais uma discussão homérica com o pai, Adelina decidiu que tinha de sair da casa.O velho tinha o mesmo temperamento neurastênico da filha e a convivência naquele lugar estava ficando mais insuportável que blusa de frio no verão carioca:
-O remédio é arranjar um marido, o casamento vai ser a minha salvação!
Mas o diabo era alguém que quisesse compromisso com ela.
GUIDO
Guido era um rapaz sozinho no mundo, fora criado em orfanato a vida toda. Quando saiu, a diretora D.Janice recomendou-lhe um emprego numa firma fundo-de-quintal cujos donos eram seus primos.
O rapaz fazia todo o serviço calado, não contestava coisa alguma, nem mesmo quando os produtos químicos lhe queimavam as mãos e o odor forte lhe irritava olhos e narinas.
O ENCONTRO
Quando Adelina botou os olhos em Guido, um pensamento lhe tomou de assalto:
-É esse!
Ele havia se mudado para o bairro havia poucos dias, e antes que contasse ao moço sobre seu gênio difícil ,Adelina tratou logo de se aproximar:
-Gostei da sua figura....quer namorar?
Foi assim, de supetão que Adelina abordou o futuro namorado.E o órfão que não tinha boca para nada e tampouco tivera uma namorada na vida, não disse nem que sim, nem que não. Adelina entendeu que “quem cala consente”.
O NAMORO
Foi o namoro mais esquisito de que já se teve história.
Às vezes, Adelina agarrava o moço subitamente e lhe aplicava um beijo, desses que quase deixam qualquer mergulhador profissional sem ar; outras, o que ela lhe aplicava mesmo era fortes beliscões, que marcavam o corpo franzino do namorado:
-Ai...
-Homem frouxo!
Seu Alaor via no genro a única chance de se livrar da filha rabugenta e por isso, tratava o pobre Guido a pão-de-ló.Tal tratamento, provocava em Adelina crises de ciúme que eram externadas com outro e mais outro beliscão.
REVELAÇÕES
Na lua-de-mel, Guido aproveita-se de um momento de “doçura” da esposa e desabafa:
-Quero ser pai o quanto antes!
Adelina numa frieza colossal e com ar sarcástico passa os dedos nos lábios e dispara:
-Quem foi que lhe disse que eu posso ser mãe?
A lua de mel, que já não contava com grandes emoções, havia acabado de naufragar.
A ADOÇÃO
Passados cinco anos, Guido era um semivivo.Não tinha prazer em absolutamente nada.
Trabalhava de segunda a sexta na limpeza de um hotel de luxo.Era visto como um sujeito bom entre os colegas.
A mulher estava no sofá cutucando as unhas com um palito de dente quando ouviu Guido dizer:
-O negócio é adotar!
Não que fosse da vontade de Adelina um filho, mas estava cansada das cobranças da mãe e das tias por uma criança.Ninguém sabia da esterilidade dela, então viviam culpando o coitado do Guido.
A resposta veio sem alarde:
-Pode ser...
EXCESSO DE FELICIDADE
Foi Guido quem pegou a menina dos braços de D.Janice.Ele não havia experimentado até então a sensação da felicidade.Parecia outro homem: passou a falar mais, a sorrir e opinar até mesmo quando não era questionado.
Todas as noites, há seis meses, como num ritual, pegava uma cadeira, punha junto ao berço da filha e ficava lá, zelando o sono da pequena. Assim adormecia.
De manhã, a esposa se dando conta de que o marido havia dormido mais uma vez fora do quarto do casal , beslicou Guido na tentativa de acordá-lo.Ele sorria.Então, Adelina beliscou mais forte.E mais forte.Em vão.
Morrera por excesso de felicidade.
(Maria Fernandes Shu
novembro de 2008)
Adelina era uma destas moças que ninguém sabia dizer se era feia ou bonita.Magra, alta, corpo retiníleo, tinha fama de antipática entre os vizinhos. Tivera poucos namoros,curtos, diga-se de passagem.Mudava de opinião como quem troca uma peça de roupa:
- Já te falei que não gosto mais de beijo na orelha!
-Você é de amargar, hein, Adelina? Bem que me avisaram!
E assim, os namoros iam pra caixa prego.
O CASAMENTO
Depois de mais uma discussão homérica com o pai, Adelina decidiu que tinha de sair da casa.O velho tinha o mesmo temperamento neurastênico da filha e a convivência naquele lugar estava ficando mais insuportável que blusa de frio no verão carioca:
-O remédio é arranjar um marido, o casamento vai ser a minha salvação!
Mas o diabo era alguém que quisesse compromisso com ela.
GUIDO
Guido era um rapaz sozinho no mundo, fora criado em orfanato a vida toda. Quando saiu, a diretora D.Janice recomendou-lhe um emprego numa firma fundo-de-quintal cujos donos eram seus primos.
O rapaz fazia todo o serviço calado, não contestava coisa alguma, nem mesmo quando os produtos químicos lhe queimavam as mãos e o odor forte lhe irritava olhos e narinas.
O ENCONTRO
Quando Adelina botou os olhos em Guido, um pensamento lhe tomou de assalto:
-É esse!
Ele havia se mudado para o bairro havia poucos dias, e antes que contasse ao moço sobre seu gênio difícil ,Adelina tratou logo de se aproximar:
-Gostei da sua figura....quer namorar?
Foi assim, de supetão que Adelina abordou o futuro namorado.E o órfão que não tinha boca para nada e tampouco tivera uma namorada na vida, não disse nem que sim, nem que não. Adelina entendeu que “quem cala consente”.
O NAMORO
Foi o namoro mais esquisito de que já se teve história.
Às vezes, Adelina agarrava o moço subitamente e lhe aplicava um beijo, desses que quase deixam qualquer mergulhador profissional sem ar; outras, o que ela lhe aplicava mesmo era fortes beliscões, que marcavam o corpo franzino do namorado:
-Ai...
-Homem frouxo!
Seu Alaor via no genro a única chance de se livrar da filha rabugenta e por isso, tratava o pobre Guido a pão-de-ló.Tal tratamento, provocava em Adelina crises de ciúme que eram externadas com outro e mais outro beliscão.
REVELAÇÕES
Na lua-de-mel, Guido aproveita-se de um momento de “doçura” da esposa e desabafa:
-Quero ser pai o quanto antes!
Adelina numa frieza colossal e com ar sarcástico passa os dedos nos lábios e dispara:
-Quem foi que lhe disse que eu posso ser mãe?
A lua de mel, que já não contava com grandes emoções, havia acabado de naufragar.
A ADOÇÃO
Passados cinco anos, Guido era um semivivo.Não tinha prazer em absolutamente nada.
Trabalhava de segunda a sexta na limpeza de um hotel de luxo.Era visto como um sujeito bom entre os colegas.
A mulher estava no sofá cutucando as unhas com um palito de dente quando ouviu Guido dizer:
-O negócio é adotar!
Não que fosse da vontade de Adelina um filho, mas estava cansada das cobranças da mãe e das tias por uma criança.Ninguém sabia da esterilidade dela, então viviam culpando o coitado do Guido.
A resposta veio sem alarde:
-Pode ser...
EXCESSO DE FELICIDADE
Foi Guido quem pegou a menina dos braços de D.Janice.Ele não havia experimentado até então a sensação da felicidade.Parecia outro homem: passou a falar mais, a sorrir e opinar até mesmo quando não era questionado.
Todas as noites, há seis meses, como num ritual, pegava uma cadeira, punha junto ao berço da filha e ficava lá, zelando o sono da pequena. Assim adormecia.
De manhã, a esposa se dando conta de que o marido havia dormido mais uma vez fora do quarto do casal , beslicou Guido na tentativa de acordá-lo.Ele sorria.Então, Adelina beliscou mais forte.E mais forte.Em vão.
Morrera por excesso de felicidade.
(Maria Fernandes Shu
novembro de 2008)