DO NORTE

Melhor No Norte.

Desde 1842 se abriram escolas para raparigas e rapazes, mas o país seguia atento ao gelo.

Por isso quando Ingrid conheceu Dirceu, o sol chamou a sua porta. O Sul entrou nas vistas pela primeira vez na sua úmida vida. E deu por pensar que se Dirceu tinha o cabelo louro, tinha os olhos azuis, tinha os beiços mornos e sardas nos nariz, como qualquer e comum homem próprio desta própria terra, que padece insônia no inverno ao descer a tarde que é eterna. A pesar de o Dirceu ter cabelo encaracolado, ter nos braços gravado um punhal, como nas unhas os dentes brilhando por, no intimo, se aperceber que desde três mil quilômetros as distancias sempre se perdem, a vista dos outros.

Tal como Ingrid perdeu a primeira noite de lua cheia depois do primeiro beijo, depois do segundo copo de álcool, a noção das certezas, e com ela sensação de haver vivido sempre num modelo maior ao sensato.

- O dia sempre amanhece para o que tem de suceder... Disse ele algo assim, depois de sentir seu corpo mais tímido do normal. No entanto como ambos falavam uma língua estrangeira para poder comunicar-se tomaram como emprestado o idioma na moda internacional e tentaram aproximar-se com outra falsa fonética. Com tudo era muito difícil saber espremer um vocábulo chamado a conter tantos retratos inchados de amor. A melhor nem sequer ele quis dizer assim, a melhor ela nem devia contestar:

- E a noite é sempre sinônima de escuro... Ou ele rir, ou ela dar-se-lhe por acomodar seu ombro ao côvado dele de ai para sempre. Mas as cousas passaram assim, e em certa medida ele tentou se apaixonar do verão que nunca tem fim no país dos gelos, da beleza que inicia e não se sabe parar no corpo perfeito dela.

E ela tentou de lhe explicar que vida é um renascer, como um continuo caminhar, no que era imprescindível acertar na rota menos incerta. Mas não soube como fazer, ambos falam com línguas diversas. Daí que a ele lhe desse por entender que ela o queria para entregar-lhe seu rosto. Também seu destino.

Partiram a princípios de Setembro, para aquelas Ingrid tinha apercebido o cambio que inflige viajar ao ritmo da vertigem. E aprendeu a dizer-lhe dez cousas ao ritmo do idioma seu mais quente, gostosa e feliz por que a inocência também tem um premio de apenas cem horas.

Dirceu nunca aprendeu sequer a olhar verdes aqueles olhos na língua formosa que ela, tentava ainda em vão, lhe ajuda-se a despertar seu falto interesse.

Numa estação de serviço ela chamara a seu pai, que ligou o telefone e aos seis minutos desligou para nunca mais dizer-lhe outra palavra, do assombro. A mãe nunca pode saber por que ela não tivera o mesmo direito do pai, a escutar duma filha as ultimas verbas.

E guiados pelo sul, o sol a serem mais imenso, numa camioneta quase velha a remexer nos cantos das pedras um novo caminho, quase que ruim e ruída, a vida dava-se livre e do mais formoso.

- Na minha terra eterno sempre é o calor....

- Nos teus braços nunca terei frio... Quis ela dizer, mas só sabia dez ou doze cousas na fala dele, e nenhuma que pudesse expressar o muito que o desejava, tal vez, o necessitava naqueles precisos, preciosos momentos, que os seres na nossa tolice achamos eternos.

Em vez de essa frase saltou sem saber, no ainda não muito reparando:

- Me queres como eu, Dirceu?

- Te quero o suficiente para ir a ter com sul... Não dissera ele, mas ela houvesse gostado que em vez ele encolhesse o pescoço, escondesse a cabeça no peito a se fundir como os olhos fechados no queixo a evitar uma alternativa reposta...

Em vez disso ele recostou, de muita ma vontade:

- Vamos atrasados, ainda há muito para chegar, e logo se esta a fazer negra noite.

Compreendeu ela seu temor à noite, deu-se conta pronto de que a noite era de pálida igual que quem a guiou a sua terra de nascença. E como o rosto dele se tornava duro, mais duro e afiado enquanto o rumo virava mais a sul, sem remédio e sem volta.

E na chegada a ultima paragem, sequer reconhecia nos seus olhos o brilho que alguma vez tenderam a ter sorriso, na cidade das caricias, que ela sem perguntar achou continham felicidade.

E agora com ternura tentava constante avivar, porque dizem por ai que os do norte nunca se rendem.

- Ficaremos aqui. A melhor ate se nos da bem procurar aqui um trabalho...

- Teus pais moram aqui?.

- Não!

- Teus irmãos?

-Não!

- Eles estão fora?

-Não!

- Então esta não é tua cidade?

-Pois vai ser que não!...

-Pois então porque desejas ficar num sito que não te pertence?

-Por que supus que a melhor aqui não se te dava por perguntar... Cousas que não te interessam!

A partir de aqui Ingrid teve uma nova cidade, e um novo trabalho que ele nunca topou e novas amigas, e uma grande admiração duma gente que via, em Ingrid, um rosto imaculado. Às vezes nem sempre límpido, às vezes ressecos de tanto chorar dous olhos faltos de lagrimas.

- Como pode suportar esse homem, comentava para ela Milagres, comentava para ela Raquel, comentava para ela David, que vivia ameaçado pelo Dirceu e pelo amor que por ela tão sôfrego sentia.

- Ele me trouxe um dia para o sol... E com isso tem uma suficiente.

Eis porque o sol e as casas brancas, e as aceras empedradas, e calçadas chovendo pétalas de flor; pendurados das paredes como sobre-saindo dos faróis ramos que sempre perduram e enredam com sólida imaginação, nosso coração desejoso de enganos... Dando-se tanto ao amor, que ferem ate de lediça.

E os anos passavam com ela mais bela mais nova e a pele mais trigueira a cada manha que refrescava sua essência com aromas orvalho.

Ficava bela e avelanada, como ele enrugado queimado de tanto licor quanto sol lhe queimava nas tripas ao andar de suor ressentido, com aroma ferido a areia.

Havia apenas 166 anos que em seu país introduziram o direito da mulher a uma digna educação, havia 24 horas que ela fora introduzida numa cova aberta dentro dum caixão, 32 horas que o Dirceu olhou pela primeira vez na vida o portão de ferro daquela velha prisão, remodelada ao acaso, para alojo de preventivos.

Dous dias e doze horas que um cutelo do seu braço cansado se escorregou, como dez minutos antes escorregara a vida, no ventre descido, no corpo de vermelha cor, navegando ate o vazio dum mundo tão frio como aquele em que ela nasceu, havia apenas trinta e cinco anos.