UMA MANHÃ QUALQUER

Ele se identificava com a terra. Para mim ele era a própria terra a revolvê-la sem ligar para as mãos sujas na hora de plantar sementes. Sementes de fruta fresca comprada na feira bem pertinho de casa.

Acompanhava dia por dia a natureza seguir seu curso até dois galhinhos rasgarem o ventre da terra, ainda tenros, dispostos a crescer para a vida, fortalecer-se, frutificar. Jeitosamente cuidava de escorá-los com graveto. Todos os dias consultava o céu para ver se havia nuvem de chuva; a sua plantinha não podia morrer de sede.

Sentado no pequeno terraço, de sua cadeira de balanço seguia paciente o deslizar vagaroso do gato em direção ao canário cantador que costumava gorjear insistente até arrancar-lhe um sorriso satisfeito. Admirava o passeio manhoso do gato pelo galho da árvore, no íntimo respeitava a persistência do animal e pensava no canário indefeso, em dúvida se ficava por ali sentado ou voltava para dentro de casa. Não precisou esperar muito.

Ouviu o canário cantar e levantar vôo, do galho mais alto trinou mais forte. Abriu um sorriso satisfeito e só então me enxergou parada na entrada de casa, somente a observar as linhas de seu rosto.

Olhou-me com ternura e refletiu em voz alta:

- Que passarinho esperto. Agora eu acho que o perigo passou.

O gato amarelo e branco que na verdade era uma gata pinoteou ligeira, sacudiu-se no chão úmido e frio, pois a noite chovera grosso.

Uma brisa cálida dissipou a umidade noturna, arrepiou os pêlos dos braços e da gata que veio ronronar e enroscar-se em sua perna. Ganhou um leve chute como recompensa e desapareceu pelo oitão mais rápido do que a luz.

O sol invadiu o terraço, chegou diante da velha cadeira de balanço agora vazia. Olho-a e sinto os olhos marejados de saudade.

MCC Pazzola