Téo

Téo saiu do trabalho mais cansado do que o habitual. Afrouxou o nó da gravata assim que chegou à calçada. Pegou a direção oposta ao metrô. Se seus olhos experimentassem um pouco de liberdade, talvez ele não se sentisse tão oprimido. Até que funcionou. Aqueles tons de azul lhe deram ânimo para erguer os ombros. Ereto, conseguiu respirar melhor e acabou esquecendo os prédios de pastilhinhas que ficaram às suas costas. Fantasiou solidão. Por alguns segundos, a cidade sumiu, levando junto sua frustração.

Seu último projeto não fora aprovado. Tinha se consumido em estudos e cálculos, pensando ser essa a grande jogada de sua carreira. Depois de dez anos de trabalho, ele se percebeu no mesmo ponto que estava após a formatura. A única diferença é que ele havia começado como promissor. Um verdadeiro talento. E agora era só mais um.

Pelo seu projeto de vida, numa tarde como aquela, ele estaria saindo do trabalho em um sedan, indo direto para casa, onde copo de whisky e um corpo curvilíneo o estariam esperando, necessariamente nesta ordem. Ele teria muitos planos e alcançaria a maioria deles.

Onde havia se perdido? Não sabia. Todos os dias, enfrentava transporte lotado para realizar mecanicamente o trabalho que tomava o seu dia de tal maneira que ainda não tivera chance de conhecer alguém.

Atravessou a Avenida Atlântica e quando chegou ao outro lado, os sapatos começaram a apertar. Téo sorriu. Seus pés pareciam sentir que havia uma sensação a ser experimentada. Umidade e aspereza na sola dos pés. Um terreno inseguro, fugidio e ao mesmo tempo audaz, entrando pelo meio dos dedos.

Sentou-se no primeiro banco que achou vago. Permitiu-se o prazer que antecipara. Já não se sentia oprimido. Andou solto, quase leve. Não se importou com a água molhando a barra das calças. Encarou como um sinal. Algo inesperado poderia acontecer com ele. Algo novo, diferente do usual, que faria o seu dia terminar de forma inusitada.

Surpreendeu-se por ainda achar os sapatos junto ao banco. No fundo queria que eles tivessem sido roubados para que ele tivesse a desculpa de andar descalço. Não teve remédio senão calçá-los. Ainda não se sentia preparado para andar carregando os sapatos pela cidade que ele agora via diante de si. Em alguns segundos, seria a vez dele desaparecer por entre os prédios. As luzes da rua acenderam. Enquanto estava na plataforma, ainda sob influência da aventura, foi abordado por um menino.

- Tio, por que suas calças estão molhadas? Pisou na água?

Téo quis responder mas pressentiu que qualquer coisa que dissesse não faria o menor sentido. Aquele menino deveria viver em constância o que ele estava sentindo.

Desire Manville
Enviado por Desire Manville em 25/11/2008
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