A vó da Bel

Bel e eu nos conhecemos quando minha família e eu fomos morar na Rua dos Jacarandás e me encantei com a jabuticabeira que havia ao lado da casa dela. Era uma árvore enorme e estava gorda de jabuticabas que caiam por cima do muro, dentro do nosso pátio.

Um dia, à tardinha, ela me flagrou catando as jabuticabas ‘boinhas’ que estavam no chão.

- Oi! Boa tarde, tudo bem?

Levei um susto. Na verdade acho que fiquei com vergonha por estar pegando as jabuticabas do chão, mas respondi:

- Oi! Estava pegando as jabuticabas que estão boas.

- Mas o pé está cheinho, por que pegar do chão?

E foi assim que Bel abriu o portão do pátio e, mais tarde, a porta da casa e da vida dela. Tínhamos muitas coisas em comum. Gostávamos de livros, flores, mato, barulho de riacho, pães e geléias feitas em casa.

Ficamos bem amigas e nos ajudávamos em tudo o que era possível. Ela me ensinou a reconhecer mini-orquídeas e eu a ensinei a fazer cuca . Bem, ensinei um dos tipos, minha mãe é que lhe mostrou como fazer uma ‘cuca crescida’.

Fomos participando da vida uma da outra: aniversários, festa junina no quintal, Ano Novo...Gente bastante, fazendo muito barulho: pai, mãe, sobrinhos, filhos, primos, vô, vó, papagaio, cachorro, gato e até um galo garnisé de estimação.

Mas o que eu mais invejava na Bel era a avó, Dona Rosina, 93 anos. Ela era fantástica, incrível! Alegre, falante, disposta, sempre pronta para uma festa, tocava piano com a Bel e era muito, muito vaidosa. Gostava de roupa nova, perfume, cabelinho bem cortado, unhas feitas, dava sempre conselhos úteis sobre chás, máscaras caseiras e jeitos de levar os namorados ‘no cabestro’. E também dava pitaco nas nossas roupas, na maquiagem e nos rapazes que nos assediavam.

- Esse branquelo não presta, minha filha. Ele nem limpa direito as unhas.

- Bel, aquele magricela é de gênio ruim. Não viu como ele maltratou o gato?

E nós nos olhávamos, contínhamos o riso e concordávamos que era para evitar maiores explicações.

Dona Rosina sempre pedia pequenos favores: comprar uns bombons, um pacote de balas, algum esmalte ou pó. Mas teve uma vez que ela pediu a Bel para que comprasse um creme para as mãos. E tinha que ser aquele!

Bel e eu perdemos as pernas procurando, uma tarde inteira entrando em farmácias, supermercados e lojas de cosméticos. Já havíamos desistido quando entramos no mercadinho perto de casa para comprar pão e lá estava ele, belo e formoso! Caímos na risada e mais do que depressa pegamos as duas últimas bisnagas. Dona Rosina ficou satisfeita por termos tido a feliz idéia de comprarmos dois cremes, mas perguntou:

- Onde andaram batendo perna a tarde toda?

Nem respondemos.

Uns dias mais tarde, fui com Bel até a casa de dona Rosina levar algumas uvas e um pote de geléia de mamão. Serviu bolo de milho com leite de coco e um suco de abacaxi delicioso, perguntou se ainda saíamos com o branquelo e o magricela e aprovou nossa decisão de dar um ‘chega pra lá’ neles. Afinal, quem não limpa direito as unhas e maltrata o gato é capaz de qualquer coisa.

Ao sairmos, já no portão, Bel perguntou:

- E aí, vó, e o creme?

Dona Rosina deu uma fungada, suspirou e lascou:

- Quando eu era mais nova, usava esse mesmo creme e minhas mãos ficavam uma belezura. Agora... humpf!... Não se fazem mais cremes como antigamente, só vendem coisa que não presta.

É, dona Rosina, não se faz mais creme como antigamente!... E nem vovós com 93 anos...

RECEITA DE CUCA RÁPIDA

4 xícaras e meia de farinha de trigo

2 xícaras de açúcar

1 xícara e meia de leite

½ xícara de azeite

3 ovos

3 colheres de fermento em pó

½ colher de sal

Bata os ovos e o açúcar até formar um creme. Aos poucos, vá misturando a farinha, peneirada. Acrescente os demais ingredientes, deixando o fermento por último.

Para cobrir, faça uns farelinhos com a seguinte mistura:

½ xícara de farinha

½ xícara de açúcar

½ tablete de margarina

Canela em pó ( ½ colherinha)

OBS: Se quiser, pode rechear a cuca com grãos de uva, pedaços de mamão, laranja, chocolate, banana.

A cuca tradicional, que veio com os imigrantes alemães, é feita de outra maneira, pois é sovada e deixa-se crescer, além de ser recheada com käs chimier .