E-Mails

Já fazia dez anos que se conheciam e mais ou menos seis anos que trocavam e-mails cheios de confidências e desaforos. As ironias e devaneios eram uma característica tão marcante de Helena que, se ela começasse a usar um e-mail gratuito com outro nome, ele a reconheceria mesmo assim. Mas ela não mudaria de e-mail. Continuaria sendo romana@... Tinha escolhido esse nick por causa de um livro que havia lido. O pior era que ela tinha detestado o livro, mas ser chamada A Romana parecia heróico. Na época estava em fase construtiva e a personagem nada lhe acrescentou, ao contrário do nick que parecia ter o poder de lhe dar coragem.

Atualmente Helena estava em fase de afirmação. Mais uma das muitas fases de afirmação que ela havia passado. Talvez a vida dela fosse uma longa fase de afirmação que agora estava beirando o exagero. Ou não? Leandro não conseguiu concluir nada.

Ele já havia cantado Helena de todas as maneiras possíveis. Já havia sido sutil, lacônico, claro, explícito. Já tinha até citado Paulo Coelho e os Guerreiros da Luz, que sempre têm uma segunda chance. Nada tinha surtido efeito. E isso que ela já havia dito que um dia fora apaixonada por ele, embora o tenha rejeitado cem vezes. Agora, sem mais nem menos, Helena terminava o e-mail com um beijo. O primeiro em dez anos. O primeiro por iniciativa dela.

Leandro leu novamente a pequena carta e ficou confuso. Seria a mesma Helena? Ela sempre escrevia um texto enorme, contando seus planos, seus sonhos, pedindo conselhos, afirmando que a amizade dele era muito importante. Algumas vezes ele chegou a pensar que ela o considerava um terapeuta não remunerado. Falava de muitas coisas de seu íntimo em um mail e no seguinte mudava completamente de tom. E sempre terminava com um abraço. Leandro imaginava que para ela devia ser aquele abraço de amigo que se encontra uma vez por semana, rápido, com tapinhas nas costas e talvez dois beijos no rosto. Mas para ele, o abraço era como aquele que ela lhe dera no carro, em seu último encontro, cheio de insegurança, com a respiração suspensa, as mãos trêmulas e um desejo de sair correndo na direção oposta, mesmo que o corpo não quisesse se mover nem um centímetro. Fora Leandro quem interrompera o abraço e perguntara se Helena estava com algum tipo de peso na consciência. Ela anuira com um aceno de cabeça e ele ficara arrasado.

Leandro enviava beijos para ela em todas as mensagens. Beijos como o que queria ter dado naquela noite no carro. A noite em que Helena definitivamente escapara por entre seus dedos.

Mas o que era isso agora? Ele já estava com quarenta anos. Ela perto dos trinta. Ele já tinha três ex-esposas e três filhos. Ela tinha uma menina e pelo menos um casamento. Helena estaria querendo dizer que uma nova possibilidade estava surgindo entre eles? Que ela lhe daria uma chance - que seria a terceira - mais do que esse guerreiro mereceria... ou não? O que dizia a mensagem? A palavra beijo saltara do e-mail antes de todas as outras e tirara completamente sua concentração. Só conseguiu entender o significado literal de beijo. O resto da mensagem não passava de letras voando pela tela de seu notebook.

Leandro respirou fundo. Leria novamente a mensagem, com calma, pausadamente. E então entenderia o que estava escrito e o que ela dizia de tão importante para ser concluído com um beijo.

"Informo meu novo e-mail: helenadesouza@... Mande notícias.

Um beijo

Helena"

Desire Manville
Enviado por Desire Manville em 24/11/2008
Código do texto: T1299896