Rosas para Sabrina
A campainha reverberou pela casa, como um som de outro mundo. Sabrina ergueu os olhos inchados de lágrimas do travesseiro, saboreando aquele som. Agarrou-se a ele como um afogado agarrar-se-ia ao salva-vidas. Pulou da cama e friccionou os olhos com veemência, eliminando aqueles riachos secos de tristeza que tanto insistiam em fazer percursos pelas maçãs de seu rosto.
Dlim-dlom! A campainha berrou em protesto. Sabrina gritou “já vai!” com uma voz trêmula. Há quanto tempo não ouvia a própria voz? Nem a reconhecia.
Abriu a porta abruptamente. Sua fisionomia não devia estar muito boa, pois o rapaz à porta assustou-se com a visão. Flores! Ele carregava flores!
- Srta. sa-sa-Sabrina? – O jovem tartamudeou sem poder despregar os olhos da mulher parada a sua frente.
- Pra mim?!?! – Sabrina berrou, abraçando o garoto. – Puxa obrigada! Muito obrigada. Você é muito gentil. Qual o seu nome?
- Denis... Só vim entregar essas flores, senhora. Tem um cartão aí. – Ele disse apontando no centro do buque.
Sabrina permaneceu fitando-o em silêncio, sentindo a decepção descer sua garganta como algo grande demais para o esôfago transportar. Mas mesmo assim, destruindo o resto das ATP’s que sobraram em suas células, abriu um sorriso triste.
- Obrigada...
Fechou a porta, trancafiando-se novamente em sua prisão escura e sorumbática. As rosas sorriam para ela com toda aquela beleza enjoativa. Cheiravam a carícias guardadas. Sabrina foi para o seu quarto e sentou-se na cama. Acariciou as rosas, aspirou profundamente o delicioso odor silvestre. Como eram lindas. Como eram cheirosas. Como eram felizes. Como as odiava...
Pescou o bilhete em meio ao oceano vermelho ígneo de flores. Abriu-o.
Feliz Aniversário! Nós te amamos!
Então Sabrina gritou.
Gritou até as cordas vocais protestarem com uma dor lacerante. Até descobrir que a solidão poderia realmente enlouquecê-la. Ela gritou. Sua alma gritou. E todos seus poros pareciam preenchidos pelo desespero daquele grito. Sentia-se como um poço seco, profundo e vazio. As lágrimas voltaram nesse momento. Petulantes, pesadas, salgadas... Não podia evitá-las, tampouco impedi-las. E por que impedir as lágrimas vindouras, se não há motivos para tal? Que escorressem até afogá-la em sua própria agonia.
Quando recobrou um pouco do controle, Sabrina retirou uma rosa do buque. Vermelha como sangue. Tão linda. Tão odiosa. Apertou-lhe o caule, sentindo os espinhos penetrarem lentamente em sua carne. Nunca a dor foi tão bem-vinda como naquele instante. O sangue escorreu pelos pulsos como a cera derretida de uma vela acesa. Não ouve sofrimento, somente dor. A dor não é como o sofrimento. Sofrimento nos põe em agonia sem nos ferir. A dor rasga nossa carne. O sofrimento dilacera nossa alma. As lágrimas pingavam do seu queixo, como de estalactites em cavernas profundas.
A rosa sorria para ela.
Sem pensar em seus atos, Sabrina mordeu a flor. Abocanhou as pétalas vermelhas como sangue, mastigando-a com vigor. Engoliu até sentir as coisas aveludadas descendo por sua garganta. Não estava satisfeita ainda. Agarrou o buque e devorou as rosas que ali resplandeciam. Chorava enquanto fazia, mas um sorriso demente surgia nos cantos do lábio. Parecia mais um ricto de louco. Talvez fosse a sanidade despedindo-se.
As rosas enchiam sua boca. Os espinhos rasgavam sua garganta. O sabor era acre como a tristeza. E isso a fez conjecturar que sua vida era tênue e sensível como aquelas rosas. Tão lindas e vistosas aos olhos, mas amargas e azedas ao paladar.
Sabrina deixou cair o buque, ajoelhou-se e vomitou todas as pétalas, ansiando a morte ou um pouco de paz. Só Deus sabe das vezes ela dormiu, desejando nunca mais acordar. Descobriu também como a solidão aniquilara suas esperanças e destroçara seus sonhos.
O bilhete anexado às rosas flutuou até o chão, como uma pena solta de um pássaro em vôo. Abaixo da mensagem lia-se:
De: Sabrina Junqueira
Para: Sabrina Junqueira