Fragmento de ultima hora
Na Europa, perdem-se 3,6 milhões de anos de vida em resultado da poluição atmosférica ou, por outras palavras, 360.000 pessoas morrem dez anos antes do que morreriam sem este factor.
(Do Portal da União Européia)
Não era esperado morrer assim, mas de esta forma esta acontecer. Por isso o cheiro a cravo voltou, não as minhas narinas senão ao campo distante. Aqui neste quarto apenas o fumo etéreo do álcool, que inunda a estância, as batas brancas com as mãos aos bolsos deitadas: são tão indiferentes como a mesma hora que há de chamar-me... E eu ignoro.
Não esperava este tipo de local, nem os corredores imensos onde se acumula o desgelo. Ficam ai parados, vazios, na ausência dum sem tempo, na hora de um segredo aguardar, como se em nenhuma dimensão estivera seu sitio.
- Se te cega alguma luz, tens de fechar os olhos... Dizia meu amigo, no nocturno deambular pelas ruas infestas de faróis incêndio; naqueles anos onde o escuro tinha seu lugar, o sol artificial apenas poder para um circulo concêntrico arredondar nossa confiança mutua e nós... Éramos formosos, por causa da mocidade.
Cegou-me a luz e tive de fechar os olhos. Acima uma e outra, e mais outra lâmpada, não as pude contar.
- relaxe a vontade... Tudo vai ir por bem...
Pois bem, discutir nunca foi meu forte e alem disso uma vez que penetras na guarida do formol, impossível não compreender no mesmo inicio da rampa: estar já num domínio posterior e inquebrantável, onde tuas ânsias de controlo nada podem já fazer, senão permanecer em calma, entregue a boa vontade de outrem.
Assim que adormeci muito pronto e homens de verde contemplaram em prazer que a pressão seria inexistente pela minha parte, alias como supõem, pressupõem: um dia quotidiano.
- Gostas-te das flores... Foi aquela a primeira palavra que ouvi, deduzindo seguidamente uns formosos beiços, um delicado mover de cintura livre e suave.
Acreditei que era a voz da Sonia e era minha mãe... Coisa que me deu em cismar, meu ego tem essa mania funesta: dá-lhe em pensar nas cousas que não deseja. E era minha mãe... Sendo em verdade que eu preferir a Sonia, a mãe tem uma grande vantagem: te distrai, te embala em ternura, não sabe fingir: aguarda-se o pior quando elas estão a chorar... E um não mexe bem, sem suas honestas lamurias debruçadas sobre o lençol, como quem deita a verdade que surge do coração gratuitamente.
- Mesmo gostei muito...
- Mas que bom que ele esta, não acham?...
De outra forma eu compartilharia a alegria que soube no fim, desde este inicio ser um conto pra meninos. E é que as mães não sabem dissimilar o terrível feito, de haver-nos levado nove meses por dentro a encorajar o nosso edível espírito.
Estava a morrer, era mesmo isso.
A Sonia que um dia me diz
- Mataria simplesmente, se outra mulher, se pousar nos teus beiços...
Essa Sonia a mesma, dois dias sem aparecer
- Fique descansada, deixe que nos já nos encarregamos do Joel... A voz de meu cunhado que todo faz para amolar... Enquanto seus olhos não param de fitá-la com essa sublime luxuria!... De inconsciente cabrão
Meu cunhado que aguarda minha morte para em suspiros se aproximar, da minha viúva.
- Como é de injusta a vida... Vão-se os melhores... Na esperança de que a minha viúva ligue para ele, ainda valente a se adiantar
- Tudo que fizer falta estes dias deixe da minha mão... Eu já me encarrego de tudo, fique descansada, precisa de descansar... Pense nos filhos, agora tem de ser forte para lutar por eles... Tudo complacente na esperança de ela um dia lhe abrir a porta do seu quarto (Imagino eu insistindo o mui palerma, ate na procura conseguir ao menos um leve roce). Não, não espera lhe abra o coração para isso ele não tem préstimo. Deseja com suma loucura matar a luxuria que lhe come o cérebro.
E um grande verme e hoje esta divinamente feliz, de jeito que posso adivinhar a morte não estar longe como eu gostaria calcular, irremediavelmente. A morte vai ser um fato que eu tenho que aceitar, e custa tanto, que incluso sem dar ganas de lutar, doe e corrompe as ultimas alegrias que alumiava eu desfrutar; amargurando-me estes últimos minutos... Bom tão próxima não deve ainda estar... Pois os choros da minha mãe não são desesperados.
Meu cunhado que se vai embora, minha irmã que o olha como quem esta considerar gritar-lhe ao ouvido bem forte: aonde caralho se supõe que tu vais ? Ele que resposta sem ninguém lhe perguntar:
- Vou ver um cliente... Volto agora... Murmurando para minha irmã com um sorriso canalha. E minha irmã que alça a sobracelha, fixa a vista nos seus olhos, enruga a boca como a dizer: filho da puta!. No entanto não diz nada, aguarda um segundo a racionalizar, ate que descobre que esta bem tramada: não pode fugir, não pode controlar a vida do seu parceiro.
- Aguardo venha quanto antes, diz em voz baixa, na esperança inútil de controlar os estímulos baixos de esse homem pacato. A seguir se aproxima por fim do ouvido esperado, no intuito valeiro de eu não perceber: -...Não vê que ele esta nas ultimas!... Confirmando esta frase a minha certeira impressão de o fim ao fim acontece.
Sou ator principal de esta novela e serei o ultimo antes do pano descer no teatro das aparências. Não verei a Sonia, que se há atrapalhar com os comprimidos adequados para esse adequado momento, com o vestido preto que guardou supondo não ter nenhum feitio, com os sapatos de saltos tão altos que agora nao é possível enfiar, com seus pecinhos tremendo.
Sou o ator principal e escrevo este ato de ante mão sabendo, será o ultimo a colar nas paginas do meu diário nunca escrito
Tal vez o meu cunhado tenha chegado à casa da Sonia, tal vez a minha mulher lhe entregue com fria precaução o filho mais velho, e ele disponha o carro, e logo diga ao chegar, olhado dissimuladamente para minha irmã: - Olha! Cecília quem me encontrei, ao vir, por casualidade. E meu filho mais velho não diga nada, aceitando com a mentira da inocência de defender um tio que lhe regala notas escondidas no sábado de manha por valor de 20 euros; quando de novo por casualidade visita um amável cliente, bem perto da nossa morada.
Disposto estou como nunca a não contrariar a audiência e vejo já uma sombra que se assoma do corredor com a cara do meu filho mais novo. Aguardava o velho, e então... Será ele, Deus por favor, que ele não seja !...