A outra

A outra

Janete uma dona de casa, simples, mãe de quatro filhos, dezoito anos de casada, vinha percebendo a ausência do marido. Ele não era mais o mesmo. Ela pensava, pensava, pensava e não chegava à conclusão alguma. O pagamento ele ainda dava todo em casa, as contas eram pagas, as compras eram feitas. Amigos tinha poucos. Não bebia, de vez em quando fumava, mas era pouco. Não ligava mais para a comida, se estava salgada ou sem gosto, ele não mais reclamava. Não se importava mais se ela, agora raspava as sobrancelhas bem finas e pintava as unhas com esmalte bem vermelho. Parece que estava indiferente. Ela procurava constantemente a resposta para tal mudança, sem encontrar um sinal do que se passava no íntimo da mente do companheiro.

Da indiferença ele passou para a intolerância a sua presença e não fazia questão de sentar-se junto à mesa. Dormiam na mesma cama, cada um para o seu lado. Ela não ousava perguntar nada. Sabia que não receberia resposta. Sabia também que tinha outra mulher entre eles. Era difícil aceitar, mas tinha que haver outra mulher. Este pensamento se tornou uma obsessão, e ela passava horas imaginando como seria a outra. O que ela tinha que o afastara de vez de seu leito, depois de dezoito anos. Se um dia ela encontrasse a outra, acabaria com ela. Com uma faca, a cortaria em pedacinhos, com um revolver daria todos os tiros que pudesse, com as mãos a esmagaria até que ela perdesse o ar.

Obstinada na tentativa de encontrar a rival, se esquecia da realidade ao seu redor. Um dia, notou a segunda filha, muito pálida na cozinha. Parece que estava passando mal. De repente, a menina deu um desmaio, ela correu para acudir. Logo a menina, Salete de catorze anos, voltou a si, e não soube o que dizer a mãe. O incidente passou Janete achou que era algum problema da adolescência e não se preocupou. Jaciara a filha mais velha de dezessete anos, estava muito rebelde, mudada, já fazia algum tempo. Respondia, não atendia mais aos conselhos da mãe, saía sempre com umas amigas que ela reprovava, e para piorar a situação passava noites fora de casa. Falou com o marido várias vezes, e ele fingia que não ouvia e sempre dizia: - Ela é moça precisa se divertir. - Não vem agora com essa de reprimir a menina. - Você também não viveu sua adolescência? Ou vai querer dar uma de “santa”. - Já se esqueceu que você matava aula para se encontrar comigo? E que ficávamos juntos lá mesmo naquela oficina que eu trabalhava? Diante dos argumentos dele, ela se calava, mas não achava normal um pai se importar tão pouco com a filha.

Janete cansou-se da indiferença do marido, começou a procurar um emprego, e depois de algumas semanas encontrou numa pequena confecção. Precisavam de costureiras, pagavam razoavelmente. Ela mergulhou no trabalho e deixou a cansativa de vida de casa nas mãos das duas filhas adolescentes e os meninos Carlos de doze e Cláudio de oito já não davam muito trabalho, passavam metade do dia na escola e quando chegavam tinham tantas lições para fazer que quase não tinham tempo de brincar ou se divertir.

Dois meses se passaram, uma tarde Janete saiu mais cedo do trabalho, chegando em casa ainda no corredor, ficou assustada, àquela hora não deveria ter ninguém em casa, entrou bem devagar sem fazer barulho. Não acreditava no que ouvia, os gemidos da jovem altos, verdadeiros urros, pedindo mais como fêmea insatisfeita, implorava bem alto: - Mais, mais, mais, agora, ela parara de gemer. Janete estava imobilizada na porta do quarto, sem acreditar no que via. Os três nus na cama se revezavam numa orgia de fazer inveja aos demônios no inferno. Foi Salete quem a viu primeiro, pois estava deitada, enquanto o homem a penetrava e a outra segurava seus braços com força para ela não esboçar nenhuma reação.

Um “flash” passou por sua cabeça, agora sabia quem era a outra, e não era uma eram duas, seus planos de vingança se acabaram na mesma hora, pegou a bolsa em cima da mesa, enquanto tentava apagar da mente aquela terrível cena. Não voltou mais para casa. Não teve coragem. Tinha pena dos meninos, mas não tinha forças suficientes para voltar. Continuou trabalhando na mesma confecção. Não procurou saber notícias da família tamanha era sua dor. Uma vez viu de longe Salete com um bebê no colo, imaginou ser uma menina, pois a manta que a cobria era cor de rosa.

Amargou sua dor, sua tristeza, sua vergonha, sua revolta. Até que um dia, viu no noticiário da tarde, uma cena chocante, suas duas filhas, as outras, tapavam o rosto, enquanto o pai era levado algemado por policiais, o filho caçula tinha sido assassinado, após ter sido estuprado pelo próprio pai. Não chorou, não tinha lágrimas, durante anos se afastara da dor, pensando que não seria atingida, se fugisse da realidade. Não adiantou se esconder, se acovardar. Talvez se tivesse tido mais coragem pelo menos seu caçula ainda estaria vivo. Lembrava-se dele bem pequeno, abraçando-a, beijando-a, chorando porque não gostava da escola.

Tomou uma decisão, iria a delegacia e contaria o que sabia. Só assim aquele monstro seria desmascarado. Depois, pensou e repensou: Cláudio não voltaria a viver, e agora ela tinha uma vida digna, um trabalho, não tinha que voltar para casa e assistir aquela degradação familiar. Ela continuou fazendo as mesmas coisas de sua nova rotina. Uma tarde encontrou Carlos, que a esperava na saída do trabalho. Ele a abraçou carinhosamente e parecia que não queria largá-la. – Mãe, volte para casa! Todos sentimos sua falta! Temos tanta saudade! Agora sei que é mentira tudo o que ele contava para nós. Sabe mamãe ele foi assassinado na prisão. – Volte mamãe! Janete não sentiu as lágrimas correr, Olhou friamente para o adolescente ainda em seus braços e falou: - Não sou sua mãe. No dia que saí de casa, foi para não mais voltar. Ele pode ter te contado o que te contou, mentiras, mentiras, mentiras, eu não estava lá para me defender, mas não importa, não vou mais voltar. – Mamãe posso ficar com você? Ela piscou um olho para ele e sorriu: - Pode, mas não me fale mais nada se quiser ficar esta é a condição. Carlos abraçou-se a mãe e parece que dois mundos naquele instante se fundiram em um só.

Tempos depois ela soube que a outra sempre tinha sido sua filha mais velha a Jaciara, quando ela mudou o comportamento e começou a ir para a rua, era porque Salete tinha entrado na jogada, e para fazer ciúmes ao velho ela se entregava à vida com as amigas...

Salete tinha uma linda filhinha que era sua filha-irmã. Jaciara agora trabalhava na noite, agenciando meninas, e sustentava Salete que se tornara sua amante, e criava a menina como se fosse sua sobrinha-filha.

Carlos tornou-se um homem forte e trabalhador e devotou-se a religião com fervor. Cursou a faculdade de teologia e se tornou um pastor, casou-se e levou sua mãezinha para viver o resto de seus dias na paz e na glória dos justos que se afastam dos ímpios e louvam ao Senhor.

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 16/11/2008
Código do texto: T1287201
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