Os três desejos

Os três desejos

Socorro trabalhava como empregada doméstica. Todo dia era a mesma rotina. Varrer, limpar, lavar louça, passar roupa, cozinhar, tomar conta da pequena Julia de três anos. Chegava em casa e o trabalho continuava. Encontrava a pia cheia de louça, as camas desfeitas, o chão sujo, as crianças sem banho, despenteadas, brigando, e gritando que queriam comer, enquanto o marido “chapado”, descansava no sofá. De vez em quando, ele brincava com uma das meninas, colocava no colo, mas ela logo pulava fora. A caçula era linda. Tinha os cabelos cacheados, louros, dois olhos verdes, iluminados. Diante da casa modesta, e de tanta desorganização, aquela criança era um anjo.

Socorro já não agüentava mais. Tanto trabalho, crianças, marido, patroa, crianças sempre pedindo alguma coisa, e a voz do marido gritando, enraivecido. A hora de dormir era a mais triste. A caçulinha sempre chorava, reclamava que a mãe tinha que trabalhar queria uma boneca nova, e o menino de doze sempre dizia que o par de tênis estava furado, que se ele pudesse fugia de casa...

Socorro achava sua vida com sua família, seu trabalho, sua rotina, um verdadeiro inferno...

Um dia desabafou com uma amiga, a Martinha. – Ah! Como gostaria que meus desejos se realizassem... A amiga achou estranho o desabafo e perguntou curiosa: - Quais são os seus desejos? Socorro respondeu: - Primeiro, queria ficar livre do bafo do meu marido, quando vou dormir fecho os olhos e tapo o nariz também. É difícil suportar o cheiro de bebida. Segundo queria não ter filhos. Ah! Se eu soubesse que me dariam tanto trabalho, tanta perturbação, não os teria tido. Você é que é feliz e esperta, não teve filho. Terceiro, queria uma casa enorme onde eu pudesse andar sem ter que esbarrar nos móveis aqui e ali.

Algum tempo se passou as amigas deixaram de se encontrar. Uma noite de verão, Socorro teve que levar sua mãe ao medico, pois a senhora estava passando muito mal, estava com uma crise de hipertensão. Socorro antes de sair trancou a porta e deixou os filhos vendo televisão. Chico, o marido, estava em algum lugar pelas redondezas. Na certa em alguma birosca, tomando umas e outras. A fila na emergência do hospital era grande, Socorro e a mãe esperaram muito tempo.

Madrugada começando Socorro voltou para casa com a mãe. Ao entrar no beco levou um grande susto. Pequena multidão e muito falatório se aglomeravam próximo a sua casa. Bombeiros, carro de polícia e muitas pessoas falando, gesticulando. Logo encontrou sua irmã e seu cunhado que vieram ao encontro de mãe e filha. Empurrando as duas para que não entrassem no beco. Socorro nem imaginava o que se passava. Não chegou a perguntar a irmã o que se passava. Do meio da multidão surgiu a figura de Chico. Cabelos desgrenhados, cambaleando, olhar desesperado, ele começou a gritar: - Socorro, me perdoe, não tive culpa, na deu, não deu, quando cheguei já estava tudo acabado...

Socorro não sabe o que se passou em sua mente naquele segundo, Chico estava falando sobre o que. A irmã a amparou e a levou dali para a casa da mãe que ficava no beco ao lado. O cunhado tentou amenizar o que iria contar, mas o marido bêbado e sentindo-se um miserável berrava: - Não tenho culpa, não sei o que aconteceu, quando cheguei já tava os bombeiros, a polícia, a porta foi arrombada, encontraram a Milena no banheiro, não foi minha culpa. Socorro, logo entendeu que algo de muito grave tinha acontecido aos filhos. Um dos bombeiros, veio em seu socorro e lhe deu logo um tranqüilizante, aos poucos, ela não queria acreditar e acabou caindo numa apatia total. Não sabia se sonhava ou estava tendo um pesadelo. Desmaiou, foi para o hospital em estado de choque. Não conseguia aceitar. Muito tempo se passou... Meses, um dia sua mente voltou ao lugar e ela teve que enfrentar a realidade. Uma cena triste aqui, outra lembrança viva ali, e ela voltou da apatia que tinha ficado. Sua vida não era mais a mesma.

Lembrou-se do desabafo com a amiga e seus três desejos. De alguma forma eles se realizaram. Chico foi embora morar com a mãe. As crianças partiram naquela noite, estava tão queimado que os familiares não agüentaram ver um quadro tão chocante. A caçulinha tinha sido encontrada com a cabeça no vaso sanitário, os outros dois estirados no quarto, devem ter corrido entre as chamas tentando abrir a única porta da modesta casa. Agora na casa vazia e silenciosa ela podia andar a vontade sem moveis para esbarrar. Sentiu uma estranha alegria que não sentia desde a noite trágica. Começou a bailar no meio da casa, rodava, e olhava aquele cenário grotesco, as paredes, o piso, as portas e janelas, tudo chamuscado, preto, destruído. Ela dançava e as imagens passavam rapidamente, girando, via as meninas sorrindo, o menino a abraçava. Girou tanto que cai no chão. Limpou o rosto com uma das mãos, enquanto na outra mão segurava a garrafa de cachaça, da mesma marca que Chico bebia. Agora ela entendia porque ele não dispensava sua branquinha...

Aradia Rhianon
Enviado por Aradia Rhianon em 15/11/2008
Código do texto: T1285140
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