Lembranças

LEMBRANÇAS

Marcela inicou o dia pensando em suas tarefas. Não sei se vou fazer carne assada ou frango para o almoço. Acho que, primeiro, vou cuidar da roupa.

Soou a campainha. Foi atender de má vontade, por ser interrompida. Não gostava de que a perturbassem durante o serviço de casa.

-Dona, por favor, me dá uma ajuda, que estou desempregado há seis meses. O que a senhora puder.

Ao contemplar o mendigo, não, não era um mendigo, era um desses coitados sem-terra, sem-teto, sem-qualquer coisa. Até virou moda esse negócio de sem... O sujeito parecia... sim, lembrava-lhe alguém. Do fundo, bem fundo de suas lembranças, bem escondidas, socadas na escuridão do passado. um vulto deu um sobressalto e saiu das brumas. Como este cara parece o Aluzair! Não, não é possível!... Também, quanto tempo!... com essa barba, malvestido, quase não dá para saber quem é...

Acalmando-se, foi buscar umas roupas velhas do marido, uns tênis usados do filho, uns mantimentos; trouxe, ainda, café com leite - num copo descartável – e pão com banana. Intrigada, entregou a matula ao pedinte que lhe agradeceu, olhando-a com intensidade e estranheza. Será que também a reconhecera?

-Como você se chama?

-Aluzair.

Nossa, até o nome, esquisito, era o mesmo.

-De onde você é?

-De Goiânia.

E agora? Não pode ser tudo coincidência.

-Você fazia o quê?

-Tomava conta de uma fazenda, depois deu azar demais. Vim pra São Paulo – aqui foi tudo muito custoso. Me dei mal, não consegui me ajeitar.

Meu Deus, é ele mesmo, mas não me reconheceu, ainda bem!

Vou despachar logo esse infeliz.

-“Brigado”, dona!

Ele se foi, carregando a sacola. Uai, como ela envelheceu! Que adianta casa bonita, dinheiro, se a pessoa acaba assim. Acho que foi melhor... Bom, é tocar prá frente e continuar na lida.

Ele dobrou a esquina e se perdeu na cidade grande.

Ela fechou o portão com força, fechou a porta, dando duas voltas na chave, expulsando, de vez, os fantasmas do passado. Encostou-se na porta, ofegante, como se tivesse participado de maratona.

Puxa, que coisa! Nem encontrava palavras para expressar o que sentia: pena, raiva, saudade... Já foi, acabou. Vou fazer a comida.

Decidida, dirigiu-se à cozinha e começou a procurar as panelas.

Porém, quem a observasse, notaria um certo tremor em suas mãos, um cansaço inusitado em seu andar e uma nostalgia inexplicável no fundo, bem fundo de seus olhos escuros...

Magali Crescini
Enviado por Magali Crescini em 15/11/2008
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