BATIZADO? ! SÓ COM DINHEIRO!

Era começo de março e João e Maria resolveram se casar.

No entanto, pobres que eram, moravam de favor em uma pequena casa, dentro de uma enorme fazenda, onde João era operador de máquinas, e Maria limpava a casa dos patrões; eles não conseguiam reunir o dinheiro necessário para o casório, que o pessoal do cartório e da Igreja pediam para realizar o tal sacramento.

O empecilho maior era o menino que Maria já trazia consigo, filho de outro homem que não João. O padre da localidade, conservador, se recusava a casar os dois seres que já viviam juntos a quase um ano.

O salário de João era a moradia grátis, enquanto que Maria trabalhava em troca de ter algo para comer, pois nos dias de compras para a fazenda o patrão sempre trazia as coisas que ela colocava na lista com um x, e depois as entregava na própria casa deles. Agradeciam por ter onde morar, e por ter um patrão tão bom, que lhes propiciava ter o que comer, onde morar, e ainda poderem levar o menino José, de três anos, para ficar na fazenda com eles.

Então se não podiam casar, pelo menos iriam batizar o menino, pois senão seria um pagão, como dizia a patroa de Maria, uma mulher muito religiosa.

No entanto no dia em que João procurou o Padre, conservador, este lhe disse, quando perguntado sobre o batismo.

-- Olha, não posso fazer nada. É necessário pagar uma certa quantia, irrisória, coisa mínima mesmo. Mas tem que pagar. È para o fundo da Igreja. Já imaginou como seria se ninguém ajudasse a santa Madre Igreja. O dízimo já são poucos que dão, então precisamos cobrar por esses serviços.

---- Mas padre, eu não tenho dinheiro. O senhor sabe, o patrão não me paga em dinheiro. Talvez se o senhor quiser umas galinhas, eu consiga...

---- Não! - o padre balançou as duas mãos e a cabeça - Estou cheio de galinhas na casa paroquial! Nós precisamos é de dinheiro mesmo. - disse taxativo.

João foi embora, cabisbaixo, caminhando pelo caminho e pensando como o mundo mudara. Ele não sabia porque a igreja que se dizia representante de Cristo, cobrava para ajudar alguém, pois não era Cristo que disse que o mundo de Deus era dos pobres e oprimidos? Não era Cristo que pregava a simplicidade do ser humano, contra o orgulho, vaidade e o desprezo, então porque a Igreja, que se dizia era a casa de Deus, ficava cobrando de quem não podia pagar?

Chegando em casa ele falou para Maria:

---- Bem, o padre não quer batizar o José. Disse que temos que pagar pra ele fazer o batizado.

A mulher já cansada da lida na casa dos patrões, e ainda fazendo a limpeza da sua casa simples, de apenas três peças, disse para o marido:

--- Mas João... o menino não pode ficar sem batizar...vai virar pagão. Coitadinho! - disse ela olhando para a criança que dormia em cima de um sofá velho, rasgado, que haviam ganho do patrão.

--- Eu sei Maria! Mas... como vamos pagar pro Padre!? Eu falei pra ele que dava umas galinhas, mas ele disse que já tem bastante. Falou bem claro que queria dinheiro!

A mulher sentou-se ao lado do marido, na mesa. Em seu rosto, o suor e o semblante do cansaço da luta diária.

--- O nosso casamento eu até agüento ficar sem, mas o menino... que culpa ele tem.

---- Eu sei, querida! Eu sei. Mas já não quiseram nos casar por que eu não tinha primeira comunhão, crisma e sei lá o que mais. A vida de pobre é assim mesmo. A gente tem que se acostumar.

A mulher se debruçou sobre a mesa, agarrando o braço do marido.

---- João, meu João! Nós não podemos desistir! Deus é grande...

João se levantou irado, de sopetão.

---- Deus!? Que Deus? De certo que o nosso Deus não é o mesmo que aquele do Padre Miguel. Nosso Deus, aquele em quem confiamos, não pode nos tratar assim, rebaixando a gente sempre mais. Já não chega trabalharmos sem receber um tostão?

---- Mas João... não diga isso! Temos que dar graças a Deus por termos um lugar para morar e comida para darmos ao nosso filho!

O homem começou a andar de um lado para outro dentro da casa.

---- Será que vai ser sempre assim? Meus pais já falavam das dificuldades que tiveram para me criar, e depois, quando cresci, vivi com eles essas dificuldades, dia a dia, mês após mês, e os anos foram se passando, mas sempre tinha a esperança de as coisas mudarem um dia, mas isso nunca acontece. Nada muda. A gente pobre é sempre castigada.

A mulher levantou-se e colou-se, de pé, ao lado do marido.

---- Ah João, não fique assim! As coisas vão se arranjar! Você vai ver!

----- Eu queria ter dinheiro igual o patrão! Daí o padre ia ver só uma coisa.

----- Deixa que eu vou falar com ele no sábado, quando a missa acabar. Quem sabe ele se sensibilize e nos ajude. Ele não nos conhece direito, talvez por isso não tenha entendido direito você.

João criou esperança de que as palavras da mulher tivessem razão. Logo os lampiões se apagaram e todos adormeceram naquela pequenina casa, ao pé do morro, distante oito quilômetros da casa senhorial da fazenda.

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E assim a semana passou rapidamente, com os dois seres tão ocupados com seus afazeres, que quando chegavam em casa mal tomavam um banho e caiam na cama, para repor suas energias para o dia vindouro. O assunto do batismo ficou relegado a segundo plano, não tocaram mais no assunto até sexta feira, quando Maria lembrou João que no dia seguinte iria falar com o padre.

---- Acho que não vai adiantar nada, mas vá! Quem sabe ele te ouve melhor e consiga entender a nossa miséria. - disse por fim depois de a mulher tanto insistir.

---- Enquanto eu vou na missa, você podia limpar o chiqueiro, que não pude limpar hoje, e os patrão vão chegar logo depois da missa. Você sabe, eles chegam da cidade param na igreja, ouvem a missa, e depois vem para cá.

---- Tudo bem! Eu faço isso, depois que arar aquele pedaço de terra, lá nos morros quebrados, onde o patrão quer plantar feijão.

--- Será que ele vai parar de criar gado?

---- Por que pergunta isso? - disse o homem.

---- Sei lá, primeiro, você ara um pedação, aquelas terras lá do norte, na divisa com a fazenda Formosa, e agora esse outro pedaço nos Morros Quebrados.

---- num sei Maria! Os outros peão dizem que ele comprou uma outra fazenda lá pros lados de Goiás. Talvez ele leve o gado todo pra lá, e comece a plantar nesse daqui.

---- Mas... e se ele for plantar...nós não entendemos nada de plantação...

João entendeu o que ela queria dizer.

---- é... mas ...não quero nem pensar. Se isso for verdade, talvez ele vá para a outra fazenda e diminua os peão daqui.

---- Ai João, será que ele vai mandar nóis embora?

---- Num sei Maria. Nós já estamos aqui faz três anos, nunca reclamaram dos nossos serviços.

---- É! Eu sei! Quando cheguei aqui ainda barriguda, a dona Marta me acolheu tão bem.

---- E eu então! Pedi um pedaço de pão pro seu Osvaldo, lá na cidade grande, e ele me ofereceu serviço, mesmo sem me conhecer.

---- Eles são gente muito boa. Que bom seria se todos fossem assim.

---- É verdade! Por isso eu não acredito que eles nos dispensem. É a primeira vez que não vejo os peão falar mal de patrão.

A criança começou a chorar no quarto do casal e Maria foi cuidar do menino. João foi até a porta da casa, na varanda observou a lua por cima das árvores, brilhando, soltando sua luminosidade sobre os campos e matos. “ Que bom seria se todos tivessem direitos iguais, assim como os raios da claridade da lua, que brilham para todos.”

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Logo após a missa, Maria, vestida com o melhor vestido, procurou o padre Miguel para falar-lhe. Em um canto da igreja, quase na porta da saída ele se despedia dos fiéis.

---- Obrigado pela sua presença madame. Fez sua doação hoje? Isso, Deus não esquece quem lhe é fiel. O senhor está bem? Deve aparecer mais vezes na missa, não o tenho visto ultimamente. Rapaz, que prazer em revê-lo, você já pensou em ir para um seminário? Tenho que falar com seus pais uma hora dessas. Obrigada senhora pelos gansos, os bichinhos estão crescendo maravilhosamente.

Ela esperou o padre se livrar dos presentes e então se aproximou, depois de observar e não ver ninguém por perto.

--- Padre Miguel, sua benção!

---- Deus te abençoe minha filha! Não a tenho visto muito por aqui!

---- é o trabalho padre! Não bate com o horário da missa! Ainda se a missa fosse no Domingo de manhã, dava, mas no sábado a noite não dá.

---- No domingo eu tenho celebração em outra paróquia. Mas diga, o que a remói? Já se confessou?

---- Não padre. Não é confissão. Eu queria falar com o senhor sobre o batizado do meu filho.

O padre a olhou bem. Maria estava com seu melhor vestido, florido, que a deixava mais jovem e sadia do que realmente era. O vestido ela havia ganho da patroa, que comprara em uma loja de usados na cidade. No dia em que o ganhara ficara muito feliz. trabalhara cantando durante uma semana.

---- O batizado?! - o padre parecia fazer um esforço para lembrar-se - não me lembro de termos conversado sobre batizado.

---- O senhor conversou com meu marido, segunda-feira, quando ele veio comprar arame na cidade.

---- Ah!? - ele fez como se a lembrança não lhe fosse boa - Então ele conseguiu o dinheiro?

---- Não é isso! Sabe padre nós somos muito pobres, não temos dinheiro para lhe pagar, mas se o senhor pudesse nos ajudar, poderíamos lhe pagar de qualquer outra forma.

O padre sorriu, com desdém.

---- Sinto muito minha filha. Eu não preciso de mais nada. É a igreja que precisa. Para manter-se forte, como uma muralha contra o maus vícios do mundo. Estamos pensando em aumentar o espaço da casa paroquial, para fazer os cursos de catecismo, e precisamos da caridade das pessoas. Os dizimistas ajudam mas não é o suficiente. a senhora é dizimista?

Maria abaixou a cabeça, desolada, humilhada.

---- Não, não sou! é que... - levantou a cabeça para falar.

---- Ora! não é nem dizimista e quer batizar um filho? como pensa que Deus pode lhe ajudar se não ajuda a obra de Deus? De certo pensou que eu poderia fazer esse batismo sem precisar pagar nada. Não senhora, já disse ao seu marido e torno a dizer. batizado só com pagamento.

---- Mas nós não temos o dinheiro!

---- Se virem! Arrumem com alguém! Sem dinheiro nada feito!

---- O dinheiro! É só nisso que o senhor pensa!?

O padre sorriu, e cruzou as mãos sobre o peito.

---- O dinheiro é necessário para o crescimento da Igreja. Pagando eu batizo até um burro. Não importa da onde venha o dinheiro..

Maria se sentiu mal com as palavras do Padre e já estava saindo da Igreja, cabeça baixa, humilhada, sujeitada, com lágrimas que teimavam em descer pelo seu rosto. Então, aos descer os degraus da escada em frente a Igreja, ouviu alguém lhe chamar:

---- Hei, Maria! Aqui!

A mulher olhou para os lados. A voz não lhe era desconhecida.

---- Aqui!

Ela enxergou a sua patroa, com um xale na cabeça, por causa da garoa que começava a cair, sentada dentro de uma camioneta gabine dupla.

---- Dona Martha! - falou se aproximando e enxugando as lágrimas.

---- Que houve Maria?! parece estar chorando?

---- Não é nada não patroa. Coisa boba.

Seu Osvaldo, o patrão então apareceu saindo de junto a porta da Igreja.

---- Entra aí Maria! Vamos para a fazenda!

---- Não precisa não patrão. A Carroça do senhor está do outro lado da rua.

---- Veio sozinha? - perguntou dona Martha.

---- Vim. estou acostumada.

O patrão gentilmente a pegou pelo ombro.

---- Entre! Amanhã mando alguém pegar a carroça! Sabe que eu ouvi toda sua conversa com o Padre Miguel?

Ela sentiu-se envergonhada. Talvez os patrões a fossem repreender. Como de costume, abaixou a cabeça.

O carro avançava, a chuva agora havia engrossado.

---- Não se preocupe. Você vai batizar o seu menino e o padre vai ganhar uma lição.

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Era sábado a noite, depois da missa. Todos os que participaram da celebração religiosa se despediam do padre na porta da Igreja. Então em dado momento, ele avistou Maria entre os presentes.

--- -Ora! Vejam só! Conseguiu o dinheiro, minha filha? Estou ansioso para celebrar o batizado do seu filho.

---- Consegui padre! mas eu tenho uma pergunta para o senhor.

O homem, coçando seu bigode fino. A olhou por cima do seu nariz fino e alongado.

---- Pois faça minha filha. Faça-o!

---- O que o senhor disse outro dia, que se tivesse dinheiro batizaria até um burro, isso é verdade?

---- Claro! Precisamos de dinheiro para as obras de nosso Pai Eterno.

Nesse instante sai de trás de Maria o patrão dela , Seu Osvaldo.

---- Pois se o senhor me permite eu pagarei pelo batizado do menino da Maria, mas antes quero que o senhor faça um batizado, hoje para mim.

---- Mas... hoje?!- o padre pensou um pouco, conhecia a fama do fazendeiro dono da fazenda Três corações, diziam que era homem cheia da grana - claro, mas ...

---- mas o quê? - quis saber o fazendeiro sorrindo.

---- é que, bem, precisa ter o curso de batizado, os padrinhos,,, não posso fazer assim, de uma hora para outra.

---- Pense bem Padre, posso doar uma boa quantia para obras de caridade da Igreja.

---- Isso! o senhor mesmo disse que está precisando de ajuda.- ajudou Maria.

O homem de batina, abaixou a cabeça, como a pensar melhor. Colocou um dedo gordo na boca.

---- Então está certo! Mas... sabe, eu preciso saber,, quanto o senhor vai doar. Se vai valer a pena essa ofensa minha para com os rituais necessários... afinal ...o senhor sabe né.. - tentou dar um sorriso.

---- Não se preocupe. Eu vou pagar-lhe quinhentos contos para o senhor fazer esse batizado. O padre abriu os olhos de espanto. Era muito dinheiro, daria para fazer quase a metade da construção.

---- Seu Osvaldo, o senhor é muito generoso. Cá para nós, por essa quantia a gente batiza qualquer coisa.

Maria sorriu. Uma pequena multidão estava parada á frente da igreja na escadaria.

O padre saiu da igreja junto com o fazendeiro e atravessaram a multidão. Um menino pequeno estava sentado sobre o lombo de uma mula velha, dona Marta e João seguravam as rédeas do animal.

---- Muito bem, então vamos fazer a celebração! Mas temos que levar o menino até lá dentro! já está tudo arranjado! - falou batendo no ombro de João.

---- O menino a gente leva, mas e o animal?

---- Ora! O animal... - o padre olhou então espantado, compreendendo na cilada que caíra. - hei.. espera aí... não pensa que eu... Os presentes assistiam a tudo estupefatos.

---- O senhor falou que por dinheiro batizaria qualquer animal padre. Pois eu tenho dinheiro e quero que o senhor batize essa mula.

---- Mas... não posso... é contra as leis de Deus... isso é sacrilégio...

---- pois se o senhor não fizer isso, nós vamos fazer um pedido, com a assinatura de todos os habitantes para o bispo remover o senhor dessa paróquia, por causa das injúrias, humilhações e maltratos que tem aplicado aos mais humildes. Pense bem, depois o senhor ainda ganhará um bom dinheiro. Afinal, não é isso o que o senhor quer?

Todos ouviam as palavras do fazendeiro, que falava em alto tom.

---- Mas...- o padre abaixou a cabeça, suas glutonarias e as graças que tinha da população acabariam se fosse mandado para outro local. - está bem, está bem...

E não teve outro remédio senão batizar o animal.

Um mês depois o padre foi removido do local. Pois o fazendeiro havia gravado toda a conversa e entregara uma fita para o Bispo.

Com o novo padre João e Maria se casaram seis meses depois, logo que o patrão lhes passara a administração geral da fazenda, visto que fora morar na fazenda nova em Goiás.