MEMÓRIAS 1 " LEMBRANÇAS" **?**

Eu era criança quando ia de férias na casa dos meus tios, no interior de Minas Gerais. Uma cidadezinha, ou melhor, um arraial como eles diziam: “Arraiá". Na verdade minha tia morava bem afastada do arraial, seu vizinho mais próximo era a uns três quarteirões.

E no arraial, tinha apenas uma igreja, uma escola, uma mercearia, que eles dizem: "Venda do Seu João".

Tinha uma praça, inclusive que tem uma placa com dizeres que homenageia meu bisavô. “Antônio Gonzaga” e foi o primeiro a habitar nesse lugar, ele é quem fundou o "arraial".

Na escola tem um pôster enorme dele com o nome completo, do qual eu, e todos da minha família nos orgulhamos imensamente.

Lá a vida era muito simples, pessoas simples, de hábitos simplíssimos.

Nem todos tinham televisão; rádio, DVD, telefone, computador, nem pensar.

Os mais antigos assistiam novela e achavam que era real.

Viam uma personagem, e quando via o mesmo ator fazendo outro

papel, não entendiam como ele mudou de nome e de personalidade.

Teve até um caso de um homem, "solteiro" de uns 47 anos mais ou menos que morava com um irmão também solteiro, porém mais novo, devia ter uns 43 anos. Imaginem! Eles moravam em uma casinha no meio do mato, na beira de uma estrada de terra, onde seu vizinho mais próximo "que também era seu irmão casado” e tinha uma filha moça. Moravam a uns três ou quatro quarteirões. E na casinha deles muito simples, eu e uns primos estivemos lá uma vez. Fiquei espantada como alguém conseguia viver num lugar como aquele. Chão de terra, sério, terra mesmo, mas terra lisinha de tanto que eles pisavam sobre ela. Paredes feita de barro entremeado e bambu.

Um pequeno e mal feito fogão á lenha, umas três tábuas, para colocar as panelas, uma caixa de madeira para guardar os alimentos.

No quarto, duas caminhas de solteiro, um quarda-roupas velho, e um espelhinho pendurado na parede com um pente fino ao lado preso por um barbante (que era para não sumir).

Na sala tinha dois bancos compridos de madeira, uma mesinha e dois tamboretes. Não tinha luz elétrica, nem água encanada.

Á noite eles usavam lamparina á querosene para clarear a casa. E água eles buscavam na mina de balde, para cozinhar beber e tomar banho.

E diante dessa vidinha simplória eles iam á casa de quem tinha televisão para assistir. Podia acontecer o que fosse, na hora da novela, eles nem respiravam, de tanto entusiasmo, nem piscavam os olhos.

Foi numa dessas novelas que eles assistiam, e um deles. "O mais velho" apaixonou-se por uma linda atriz. O pobre, não comia, nem dormia direito por causa dela, só pensava nela, falava nela todo o tempo.

E quando via uma cena dela beijando um ator, coitado... Chorava, chorava, ficava pra morrer!

Dava o maior trabalho para á família e os amigos confortá-lo. Sei não! Já se passaram muitos e muitos anos, mais acho que o pobre ainda guarda no fundo do peito essa paixão.

A vida lá era muito simples. Algumas pessoas saiam de suas casas e andavam longe só para assistir televisão que o dono da mercearia tinha comprado. Uma televisão, grande que chamavam de "Caixotão" de madeira envolta e em preto e branco.

Então as pessoas ficavam nas áreas que eles diziam "Alpendre".

Ficavam nas janelas, enfim, valia tudo só para assistir á tão sonhada televisão.

Pelo fato de ali naquele aparelho está o sonho da qual a dura realidade deles

não cabiam. Mas era ali, que se deixavam levar, á vida que não tinha a menor chance de ter. Sentiam-se felizes, alegres, davam risadas, e também choravam de emoção e sonhavam, era o mais importante para eles, o sonho de poder ver

o mar, os prédios, as avenidas, enfim. Tudo que tinha na cidade grande,

não tinha preço que pagava.

Gostavam de ouvir o sotaque diferente deles, as palavras faladas de maneira

diferente com erres e esses, no lugar certo. Bem que tentavam, mas não conseguiam, no entanto falavam, e até hoje falam, no sotaque bem mineiro de ser... "Eitá vidinha simpres só, uai!"

Tão simples, mas que eu gostava imensamente de ir para lá.

Eu que na época morava em São Paulo, "Adorava morar em São Paulo, e adoro essa cidade," mas era tão estressante que o arraial era um paraíso para mim. Todos meus parentes por parte do meu pai são de lá. É sem dúvida meu orgulho, por ser bisneta do fundador de lá. Grande e corajoso homem, que as dificuldades da época não foram barreiras para ele.

Ultrapassou todas e continuou em plena mata virgem, longe de qualquer civilização. Que hoje vivem muitas famílias, que cresceu e progrediu, de lá pra cá, mas ainda tem aquele ar de simplicidade de antigamente.

Hoje apenas algumas pessoas lá vivem bem simples, e sem sentir a menor falta de conforto nem se preocupam com tecnologia, nenhum tipo de aparelhagem. A vida lá pra mim era tudo de bom.

Tudo tão puro tão natural, como andar descalço tomar banho de rio, comer fruta colhida no pé. Era só esticar o braço pegar limpar na roupa e comer, eu gostava e gosto e subir na árvore, e come-la lá em cima mesmo.

São várias frutas: "goiabas, mangas, pêssegos, jabuticabas” etc... etc..

Essa história de comer fruta no pé conto na próxima, pois e outra parte que vou escrever de muitas que tenho para contar da minha memória.

Lee Nunes
Enviado por Lee Nunes em 10/11/2008
Reeditado em 05/09/2010
Código do texto: T1275378
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.