A espera

Há quanto tempo estaria ali? Os pés calçados batucavam no assoalho, denotando impaciência e pressa. Era uma pressa daquelas que entorpecem, em paradoxo estranho.

Apoiado na bengala retorcida (encanto da natureza “bruta”), cutucava as costas da mão com o queixo fino e empenujado, sentado no banco manquitolante.

Não fizera a barba rala. A pressa consumia seu tempo com gulodice e a aflição deixara-o trêmulo quando pensara no quem quer pão do trem-de-ferro.

Meia hora se passara desde que pisara na plataforma e, bem no fundinho da sua ânsia, não admitia que o comboio se atrasasse como sempre fizera.

O cravo na lapela prenunciava um encontro de amor.

Os olhos esbugalhados e fugidios, buscando, puxando o trem na curva, ao pé do morro, frisavam ainda mais a importância de sua espera.

O tempo ameno não justificava o suor que lambia sua pele e seus dedos, continuamente, corriam pela gola da camisa tão branca, tão engomada, que cada vez mais lhe sufocava o pescoço como nó de forca.

Outras pessoas aguardavam por ali. O burburinho que faziam fofocava do vizinho, do padre, do prefeito e das demais pessoas que, porventura, se aventuravam na longa viagem. Era sempre assim! As conversas iam e vinham, sem um final ou direção visíveis, paralelos e fugazes como eram paralelas e fugazes a visão das pessoas que se deslocavam céleres pela plataforma da estação; tão paralelas e fugazes quanto os trilhos sinuosos que se perdiam e reapareciam na paisagem acidentada.

Tudo o irritava!

Passou a contar os pelinhos do braço branco e semi-flácido. Contava. Embaralhava. Recontava. Esquecia os valores e recomeçava a contagem, olhando, a todo instante, a curva da estrada. Tirava o relógio do bolso. O correr mais repicado e lerdo do ponteiro causava agonia e dupla impaciência.

O silêncio do mundo era total, já que tudo se calara para os gritos do coração inquieto. Revivia cenas de cumplicidade... gostosa cumplicidade que amargava a boca com o fel da paixão matreira e estulta.

“Olhares sutis, gestos embaraçados de se passarem despercebidos... sussurros na surdina.

_ Traição! Traição! (gritava-lhe um resquício de razão)

_ Mas ela é bela! (dizia pra dentro do peito)

_ É flor de outro jardim! (clamava o coração)

_ Traição! Traição! (não surtira efeito)”

Buscando dominar-se, corria os olhos por sobre as estrias da madeira encardida do banco. Traçava caminhos imaginários: castelos de cartas que o vento furioso da expectativa ruía.

“Tudo consumado!”

O coração, em aparente resignação, deixara-se levar, arrastando junto o corpo, a calma e a alma na primeira de muitas noites de entrega mútua, derramando-se, confundindo-se, fundindo-se carne com carne, prazer com prazer, amor com amor...

“Traição!”

A solidão adormecida foi despertada pelo ranger das rodas que conduziam um emaranhado de ferragens, luzes, gente e fumaça. Com um olhar lançado estacou-se de pé, na ponta dos pés, olhando por sobre os ombros, chapéus e caixotes transitantes. Passou o lenço no rosto, ajeitou uma mecha de cabelos, recolocou o chapéu-coco, apoiou a bengala no braço e desceu os degraus da gare. Empurrando e sendo empurrado, desvencilhou-se da multidão que se apertava em lágrimas de idas e vindas, sorrisos esparramados e abraços saudosos. Atravessou pátio e jardins, buscou vielas sombrias e calçadas solitárias, não se vendo e não querendo ser visto.

Ele não veio? Ele não veio!? Ele não veio!!!

Chegado o trem, deus adeus à expectativa, ao medo, à pressa e ao tino. Na noite silenciosa, ocultou-se em meio a cetins e carmins e pernas do próximo que continuava distante, na outra ponta dos trilhos.