QUE SUSTO

De Campo Grande no Mato Grosso até São Paulo capital não dá uma hora de vôo. Logo que o avião estabilizou, a tripulação iniciou a distribuição do café da manhã. Uma aeromoça baixinha, com sorriso de manequim fixado no rosto e empurrando um carrinho maior que ela ia de poltrona em poltrona oferecendo:

- Chá ou café, senhor? Quente ou gelado, senhor? Com leite, senhor? Bom apetite, senhor!

Virou-se para a senhora sentada ao meu lado.

- Chá ou café, senhora? Quente ou gelado, senhora? Com leite, senhora? Bom apetite, senhora!

E saiu repetindo a mesma lenga lenga com todos os passageiros, ninguém escapava das perguntas. Luzes acesas. Clima de cordialidade. O comandante fez a saudação aos passageiros, em nome da empresa e dos tripulantes. Informou as condições climáticas do nosso trajeto e as que nos esperavam na capital paulista. Nossa altitude é de dez mil metros e nossa velocidade de cruzeiro em torno de novecentos quilômetros por hora.

Comi o sanduíche misto, com gosto de isopor recheado com papel e cola branca. Quando ia levando a xícara à boca para o ultimo gole de chá com leite, o avião despencou no vazio, como um tijolo do ultimo andar de um prédio em construção. Tudo voava dentro do salão. A senhora que estava sentada junto a mim, agora estava pregada no teto. O carrinho do café parecia uma bola de festa, quicando nos encostos das cadeiras. Tudo flutuava. As máscaras de oxigênio foram liberadas automaticamente, mas também estavam pregadas no teto. O avião estava em queda livre. Havia entrado num poço de vácuo e o pessoal da cabine não estava conseguindo estabilizá-lo. Gritos, choros, fatias de melão, de mamão e bananas, potinhos de iogurte, xícaras, sapatos, bandejas, guardanapos, copos com sucos de frutas, potinhos de geléia, torradas, crianças de colo, casacos, livros, bolsas de mão tudo sendo misturado como se estivéssemos numa grande betoneira. De repente, a pancada e tudo veio ao chão acarpetado. O avião tinha entrado numa zona de alta densidade e se estabilizado a seiscentos metros da cidade lá em baixo.

O silencio dentro do salão, era sepulcral. Todos tentando de alguma forma se recompor. A aeromoça estava desmaiada por conta da pancada que recebera do carrinho de café. Um dos passageiros se declarou médico e estava prestando os primeiros socorros, enquanto os outros tripulantes tentavam de alguma forma guardar as bandejas e as sobras do café. O comandante com voz embargada pela emoção, mas tentando transmitir tranqüilidade, informou:

- Senhoras e senhores, nossa aeronave entrou numa zona de baixíssima densidade e tivemos uma perda de altitude de nove mil e quatrocentos metros em cinqüenta e cinco segundos. Felizmente estamos numa das maravilhas da engenharia aeronáutica que resistiu muito bem, sem danos à estrutura, o que nos permite assegurar um pouso tranqüilo em São Paulo Capital, dentro de quinze minutos. Infelizmente, essas áreas não são detectadas pelos radares para que as aeronaves possam contorná-las. Esperamos nos encontrar numa próxima oportunidade, num vôo mais tranqüilo, sem tanta emoção. Nossa tripulação está às ordens dos senhores para quaisquer esclarecimentos e providências que se façam necessárias. Pela sua atenção, muito obrigado.

Nosso pouso em Congonhas foi perfeito. Descemos da aeronave como brincantes de antigos carnavais, quando era permitida a brincadeira do mela, mela.