O JUDAS

Em torno de mais de légua, somente Marcolino teve o topete de colocar o Judas na porta do Dr. João, o juiz de direito da comarca.

Todo mundo achou muito bem empregado, mas na frente do doutor, ninguém tinha coragem para dizer que achava bem feito.

O juiz era um velho chato, metia o bedelho em tudo. Dava palpite em tudo e o pior é que queria que todo mundo fizesse o que ele estava mandando.

Dr. João entendia a cidade como o prédio do fórum, onde ele era a Lei, mandava e todo mundo tinha que obedecer.

O doutor marcava até a hora em que o bilhar de Tota Medrado devia fechar.

Quando dona Santa vestiu um biquíni no manequim da loja, ele mandou tirar porque era uma pouca vergonha.

Na feira da sulanca, os vendedores de roupa íntima de mulher, não podiam colocar as calcinhas, naqueles bastidores pendurados, porque era atentado ao pudor.

O doutor juntou-se mais o padre, e danaram-se a dar palpites nas roupas das mulheres, nos tamanhos das saias das fardas das meninas do colégio do Sagrado Coração, proibiram os trabalhadores da estiva de andar sem camisa, bermuda para homem e calça comprida para mulher, nem pensar.

O doutor mandou prender Juca Mingau, só porque ele estava bêbado, todo mijado, dormindo escornado no banco da praça da igreja, depois da feira.

Todo mundo sabia que Juca Mingau não ficava sóbrio há muitos anos. Vivia emendando uma bebedeira na outra, de domingo a domingo.

De tempos em tempos, a mãe dele vinha tangê-lo para casa, para tomar banho e trocar a roupa bem prá lá de suja.

Vivia de fazer mandados e de carregar frete na feira, quando alguém ainda tinha coragem de contratá-lo.

Não fazia mal a ninguém, não abusava, era manso de coração.

Bastava dizer a ele:

- Juca sai daqui, tu estás fedendo feito tacaca.

Ele pedia desculpas e saía como cão sarnento que ninguém quer por perto.

O fato é que depois de preso, Juca Mingau entrou numa crise de abstinência alcoólica e endoideceu.

Pelo tanto de bebida que tinha tomando continuamente em todos os anos, não podia, de jeito nenhum, interromper assim de uma hora para outra.

Perecia bicho enjaulado...

Até uivo, ele deu...

O comissário foi pedir autorização ao Dr. João para, ou soltar Juca Mingau ou dar uma lapada de cana para ele amansar.

Mas não adiantou...

O Doutor disse que só soltava na segunda feira e que cana, nem pensar.

Juca Mingau se mordeu todo, bateu com a cabeça na grade até desmaiar...

O soldado Benício achou que ele estivesse dormindo e foi jantar.

No dia seguinte foi que o comissário achou que ele estivesse dormindo por muito tempo na mesma posição e chamou o médico.

Por causa de tanta pancada, rebentou-se uma veia dentro da cabeça e ele estava em coma...

Foi um aquieta-arreda...

Chamaram a ambulância e mandaram Juca Mingau para o hospital de Serra Talhada.

Tiveram que furar a cabeça para drenar o sangue do derrame.

Quando a notícia se espalhou, todo mundo achou que a culpa do caso tinha sido a prisão desnecessária e que a responsabilidade pelo ocorrido era do juiz...

Mas ninguém tinha coragem para dizer isso na cara dele...

Aí não sei quem sugeriu o Judas mesmo sem ser semana santa...

Com dois dias o Judas estava pronto, com beca e chapéu de juiz.

Mas quem era que teria coragem para prender no portão da casa do Dr. João?

A casa ficava bem na praça da igreja. Calçada alta, três janelas de frente e portão de ferro bem grande, na entrada lateral...

Altas horas, sem que ninguém notasse, “alguém” (que todo mundo soube depois) levou o boneco e prendeu no portão com corrente e cadeados, justamente na véspera da feira, quando toda população da redondeza iria ver...

Todo mundo viu...

Todo mundo comentou...

Todo mundo achou bem empregado...

O juiz pediu transferência...

Nunca mais se ouviu falar em Juca Mingau...