A ROUPA DA FESTA

- Seu Zé Maria, ta aqui o corte de casimira que eu comprei naquele caixeiro viajante que passou por aqui no início do ano... É casimira da boa... É do Rio de Janeiro.

- Oxente seu Deodato. Eu não sei costurar pano do Rio de Janeiro não.

- Mas que novidade é essa? Que diferença faz se o pano é daqui ou da baixa da égua? O senhor não é alfaiate? Então tem que saber costurar qualquer pano.

- Mas eu só sei costurar brim, linho e diagonal da Torre.

- Agora pronto. Onde já se viu o cabra não saber costurar o diacho de um pano, só porque ele veio da casa do cão?

- Mas isso aí, eu não sei costurar não... Vá lá em Caruaru e arranje um alfaiate bom por lá.

- Eu não vou arredar o pé daqui de jeito nenhum.

- Então vai ficar sem o terno novo pra festa.

- Eu me enrolo no pano e vou atrás do andor e digo a todo mundo que é promessa.

Depois mando tocar fogo nessa alfaiataria, que não sabe costurar merda nenhuma.

- Eu já disse ao senhor que não sei. E se botar o pano a perder?

- O senhor paga outro igualzinho.

- Ah! Não... Pago não.

- Mas não é o senhor que vai estragar o pano novo?

- Não... Quem está querendo andar nu é o senhor.

- Vamos meu compadre. Pegue esse diacho desse pano e costure um terno para mim.

- E não estou querendo...

Deixe isso aí... Não garanto nada...

Vou ver se faço. Vou ver...

Não estou prometendo coisa nenhuma...

Levante para tirar as medidas.

- Ôxe! O senhor perdeu foi? Há tanto tempo que só faço roupa aqui.

- Mas o senhor engordou.

- Nada disso. Tô com meus oitenta e cinco quilos de sempre.

- Então cresceu a barriga.

- Que nada. Minha barriga está em forma.

- Então cresceu o ovo.

- Eu vim aqui fazer um terno, não foi pra fazer saco pra colocar os ovos dentro não.

- Vamos homem, levante pra tirar as medidas...

- Vocês alfaiates gostam é de pegar nas coisas dos fregueses.

- Se não medir, fica reclamando que está repuxando aqui, que ta folgado aculá.

- Olhe aí minhas medidas...

- Essas medidas já estão velhas. Foram da roupa do ano passado.

- Meu compadre, nesse seu caderninho nojentinho tem as medidas até de d. João VI né? Velho que só comadre Liu...

- Mas está servindo e não custou seu dinheiro...

Fique em pé direito homem. Parece elefante, só pode está escorado. Tire a mão da mesa...

Não adianta querer encolher o bucho não. Se a medida não ficar direito, vai ficar apertada...

Eu não disse que o senhor tinha engordado...

A medida velha era cento e três e agora é cento e dez.

- Isso tudo?

- Quem manda comer tudo que vê pela frente. Parece que tem a fome canina. Que comeu rouxinol choco...

- Se não comer fica que nem o senhor, magro feito um bacalhau.

- Sou magro, mas tenho saúde. Eu vejo é esse povo gordo, tudo indo pro médico, com pressão alta, com gordura no sangue, com diabete...

- E não tenho nada disso...

- Ainda. Ainda...

- Vira essa boca de quizila prá lá.

- Quanto tem esse corte?

- Metros?

- Não. Quilômetros, braças... Ta se falando em quê?

- Sei não. O caixeiro disse que tinha quatro alturas. Quanto é isso?

- Cada altura é um metro e meio... Vai dar seis metros...

Não sei se vai dar não, viu?

O corte tem que ser no fio se não entroncha a roupa e fica um lado maior que o outro.

- Ajeita no ferro...

- Só se for ferro na sua cabeça... (Risos)

- Quanto é que vai custar esse terno, compadre?

- Ta barato.

- Eu quero saber o preço. Se está barato ou não sou eu quem vou dizer.

- Quarenta cruzeiros.

- Ta doido! Vou nu na procissão, mas esse preço todo não pago de jeito nenhum...

Digo a Pe. Onofre que é promessa a São Adão, sair vestido igual a ele.

- Esse pessoal é engraçado... Não sabe pregar um botão... Não sabe quanto custa os aviamentos, não sabe preço de nada, mas para dizer que está caro, tem a língua solta...

Pegue a merda do seu pano e leve pra outro alfaiate que eu não vou costurar mais merda nenhuma pro senhor não.

- Mas compadre...

- Mas compadre uma ova. Eu não faço mais nada pro senhor. Perco a freguesia, mas nessa bexiga desse pano, eu não boto a mão.

- E se eu pagar sessenta cruzeiros?

- Não.

- Oitenta?

- Não.

- Pago cem. Pago cem e o senhor faz meu terno.

- Compadre pegue seu pano e vá embora antes que eu faça uma besteira.

- Que besteira?

- Cortar essa merda todinha.

- Ô mãe! Pai ta brigando mais padrinho...

- Que diabo é isso? Dois homens velhos não têm vergonha não é?

-É o seu compadre que arranjou uma casimira vinda não sei de onde e quer que eu costure de graça.

- De graça não. Eu quero pagar. Pago até mais do dobro.

- Mas eu não costuro mais para ele de jeito nenhum.

- Deixe ver esse pano...

- É casimira da boa comadre. Comprei naquele caixeiro viajante, que passou aqui no inicio do ano... É coisa fina... Do Rio de Janeiro...

- Deixe abrir o pacote... Que papel danado de grosso é esse compadre? Pra quê tanta fita adesiva? Mas isso é algodãozinho compadre.

- Como algodãozinho? Comadre, eu comprei foi casimira. E paguei muito caro por ela. Tava lá no pacote fechado, o caixeiro...

- O caixeiro te enganou cabra burro. Tai, gostei do caixeiro. O senhor todo metido a sabido, querendo fazer visagem... Cabra velho besta... Roupa de casimira... Pois sim!

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Esse texto foi produzido sem levar em conta a forma culta da língua portuguesa. Procurei reproduzir o mais fiel possível, a maneira pernambucana de falar. Muitas vezes inculta, mas sem dúvida, melodiosa.