Eu era o vilão. Eu era a presa.
É interessante ler "As surpresas que uma noite de tédio pode nos dar" antes deste. É possível lê-los separadamente, mas, eles são meio que uma continuação. /o/
Eu era o vilão. Eu era a presa. Eu não tinha escolha. Eu seria nada se eu falhasse.
E eu estava sozinho, dançando aquela música lenta que parecia me arrebatar para outro mundo. Era uma das sinfonias da solidão. E a ilusão guerreando com minha inocência fazia do meu orgulho o único caminho de volta a mim, a minha sanidade. Enquanto a música tocava apenas em minha mente, com olhos fechados, eu perdia minha dignidade e aquela liberdade diferente que eu ansiava há tanto tempo se afastava a cada passo da minha dança hipnótica. Uma das sinfonias da solidão. Se ainda existia algo para ver era desinteressante porque, com meus olhos fechados, eu sentia que estava dentro de uma concha em chamas apertada e isolada das demais. Mas eu nunca havia estado dentro do fogo e, ainda sim, eu era queimado dentro daquela tempestade incendiária e sangrenta. Ainda de olhos fechados eu senti o beijo quente do dragão, que, dentro de mim, caminha nas linhas incendiadas do meu cérebro. E eu sonhava com aquilo! Sonhava em ver de perto o sol explodindo, e quando eu abri os olhos percebi que não era uma música lenta que tocava, era uma música agitada, cheia de sons psicodélicos; eu estava de volta à boate. Havia uma multidão a minha volta, mas alguém me chamou atenção. Era ela! A princesa que eu tinha visto na primeira noite que fui à boate, aquele anjo doce que fez com que eu me afogasse da lava da luxúria, aquela divindade que despertou antigos sentimentos soterrados nos escombros de minha alma. Ela estava dançando de forma envolvente com outro rapaz. Por mais atraente, interessante, inteligente e qualquer outra coisa que eu fosse, era com ele que ela estava. E era como se houvesse um inseto dentro da minha cabeça, um zumbido que eu não conseguia encontrar; acima do meu ombro, dentro da minha cabeça. E aquele brilho estonteante dos olhos dela estava direcionado a ele, e aquela insinuante boca escarlate beijaria a dele, e seria ele quem afagaria seus lindos cabelos lisos, e era no ouvido dele que ela diria, com a voz angelical de seda, as palavras que eu queria ouvir... A primavera que tinha acordado em mim saltava verão e outono e voltava a ser aquele inverno fúnebre de sempre. E meu nome se tornava vazio, e as chamas me consumiam de fora para dentro, e pequenas explosões aumentavam em meu interior, e a primeira lágrima desceu, teimosa, de meus olhos, queimando o caminho que percorria em meu rosto. É de dor que eu estou falando! Do veneno em minhas veias, como se naquele momento estivesse queimando no inferno. Ainda sim, qualquer coisa é melhor que uma mentira silenciosa. Eu os vi envolvidos, dançando entre sorrisos sobrepostos como um só e, discretamente, fui saindo, arrasado, deixando que aquelas lágrimas se tornassem um segredo exclusivamente meu. Saí andando na madrugada triste daquele sábado, sentindo minhas pernas fracas e meus braços pesados; eu andava desnorteado, não havia suposições de outras pessoas, aquela garota era imaculada ou era minha! Não podia lidar com uma outra presença afetiva efetiva. Fui pra casa assistir a mais um alvorecer e morrer antes que o sol se fizesse presente, e renascer quando ele fosse embora para começar tudo de novo. Soterrado junto aos meus sentimentos, na minha lugubridade. Eu era o vilão. Eu era a presa.