O PODER DA FOFOCA
Tudo começou com uma fofoca no intervalo do café. Aliás, segundo o autor não foi uma fofoca, mas um simples comentário, assim, sem maldade. Afinal, que perigo havia dizer para uma amiga que ele suspeitava que dois colegas de escritório estavam cada mais íntimos, apesar deles serem casados? E detalhe: eram dois homens. Não que fosse preconceito, apenas algo curioso de observar e comentar. Toda noite eles saíam juntos rumo ao apartamento de um outro amigo, se tratando com um misto de cordialidade e carinho. E os olhares, então? Ali tinha coisa, é claro. O simples comentário virou telefone sem fio.
Um e outro foi sabendo da história que cada vez que era repetida ganhava algum novo detalhe. - Eram amantes há anos, estavam adotando uma criança secretamente e planejavam se mudar para a Filadélfia. E iriam ouvir Elton John por todos os dias felizes de suas vidas. Deixariam suas esposas na miséria, pois iriam levar tudo para financiar a operação de mudança de sexo de um deles-. A cidade toda já sabia e falava pelas costas deles dois. Até que suas esposas também ficaram sabendo.
Uma transtornou-se com as cartas anônimas, cheias de maldades e condenações, repetidas vezes colocadas embaixo da sua porta por uma vizinha fanática religiosa. “A cidade inteira está sabendo dessa vergonha, sua chifruda". A outra, viu as fotos que o detetive lhe entregou. Os dois juntos, os sorrisos e o brilho em seus olhares de cumplicidade. O seu marido e aquele mesmo sorriso que esmorecia ao chegar em casa tarde todas as noites. E aquele mesmo olhar que se apagava, insistindo no divórcio...
Cada esposa reagiu de maneira particular. A primeira preparou a banheira de hidromassagem com óleos, espumas e lágrimas. E deitou-se nela acompanhada de um secador de cabelos devidamente conectado na tomada.
A outra, esvaziou a garrafa de Ballantine's e empoeirou o nariz. E tomando de uma arma rumou até o apartamento 66 onde ambos se encontravam. Esvaziou os cartuchos e pôs um fim em suas histórias e, de quebra, em mais três pessoas que tentaram protegê-los. Deviam ser cúmplices a rir nas suas costas. Depois, ela colocou o fone do MP3 em seu ouvido no volume máximo. Foi até a sacada do prédio e experimentou a brisa do 6º andar, fechou os olhos e patinou no ar com "Ballade Pour Adeline", que ela dançou de vestido branco nos seus 15 anos há exatos 15 anos...
O sangue dos amigos se misturava em cima da mesa de trabalho, encharcando o projeto em que ambos estavam trabalhando: pretendiam elaborar um plano de recuperação ambiental em sua cidade. Um plano genial e que tinha chances de ser reproduzido por outros e mais outros municípios. Como se fossem dois adolescentes, eles ainda sonhavam em mudar o mundo. Afinal, se eles não fizessem algo, ninguém iria fazer.
Tudo começou com uma fofoca. Aliás, um comentário sem maldade, que ninguém mais sabe de onde e como surgiu. E o saldo era de sete mortos, sete famílias esfaceladas, uma cidade consternada e uma idéia sepultada. E o que não diria respeito a ninguém interessou a todo mundo. E o que dizia respeito a todo mundo não interessava a mais ninguém...