Destino
Tratava-a mais como uma serviçal do que como esposa. Joana lembrava-se das palavras tão vazias que ecoaram profundamente do altar ao fim da capela: ... "e para todo o sempre te darei meu amor e fiel estarei a seu lado..." - nunca pensou que pra sempre fosse tão pouco. Já nem jantavam mais juntos, visto que tinha que servi-lo; sempre comia depois, frio mesmo, o que não fazia diferença pra ela, acostumara-se a ver assim sua vida.
Certo dia ao voltar da feira - Machado ordenara que ao chegar deparasse-se com uma deliciosa sopa de legumes - passou em frente a uma loja de artigos femininos. Nunca dera muita atenção a tal loja, já que comprava somente o necessário para que mantivesse seu ar sóbrio, mulher muito enfeitada para Machado era vulgar; mas neste dia algo lhe chamou a atenção: um vestido de seda, azul escuro com um lindo desenho de dragão, ao entrar na loja foi logo tocar o tecido, a maciez do vestido tirou-a, por uma breve instante, da aspereza de sua vida.
À noite, na cama, não resistiu e falou a Machado sobre tal objeto que tanto a seduzira, mais teve que se contentar em dormir com as palavras dele ecoando dolorosamente em sua cabeça.
- Achas que trabalho de sol a sol para satisfazer essas suas idiotices infantis? infantis....infantis....infantis....
Sonhou com seu pai, esse sim soube como a fazer sorrir, pena ter ido tão cedo.
Ao acordar de manhã, tentava mais não conseguia tirar da cabeça o maldito vestido, que era chinês, concluira, pois vira algo semelhante em uma revista de bordados uma vez; sabia que não havia meio de obtê-lo.
Despachou Machado para o serviço e tratou logo de fazer o habitual de todas as manhãs: ficar ao telefone com Dora, por alguns minutos apenas já que a casa não era pequena e serviço tampouco. Dora sempre fora sua fiel confidente, desde os dez anos de idade, ou menos; a ela contava tudo, até as sujeiras que Machado às vezes insistia em fazer com ela, coisas estas que a enojavam, mas como era seu marido, não havia o que se fazer. Dora ficou triste em saber que algo tão ínfimo para uma mulher qualquer, era algo impossível de se alcançar para Joana. Para tentar pelo menos consolar a amiga, lembrou-a que Machado não andava muito bem de saúde já ha alguns anos, tossia demais, suspeitava-se tuberculose, o que não fora confirmado visto que Machado só entrava em hospital carregado, e caso a indesejada chegasse a ele, ela teria uma boa pensão só para ela, podendo assim, um dia, ter todos esses pequenos mimos realizados.
E assim Joana ficou a esperar dia após dia pelo desfalecer de Machado, a cada tosse, uma nova esperança e devaneios. Passados alguns meses a ânsia já era tamanha que chegava a sufocar Joana, como se uma nova paixão estivesse a dominar seu corpo, mais isso ela não poderia saber, pois nunca se apaixonara, visto que ao perder o pai ficara sozinha no mundo, e quando Machado apareceu foi como se alguém tivesse jogado uma bóia a alguém se afogava.
Não suportando mais tal demora, resolver agir, teve uma idéia ao derrubar um copo de vidro no chão enquanto lavava as louças; olhando os milhares de pedaços aos quais tal copo se reduzira, pensou que um pouquinho daquele pó de vidro na comida de Machado a ajudaria a obter êxito, e ele nem perceberia.
De fato não percebeu, e vorazmente e sem modos como sempre, dia a dia, feijão, arroz, mistura e vidro Machado comeu.
Estendia roupa no varal quando alguém bateu a porta, ao abrir deparou-se com Azevedo, colega de serviço de Machado há anos.
- Preciso lhe falar Joana..... Machado teve uma forte hemorragia há pouco, suspeita-se de tuberculose, infelizmente não resistiu.
Por fora as lágrimas escorriam em seu rosto, talvez por respeito a ele, por dento seu espírito ardia.
No enterro, nunca esteve tão linda, vestida com um belo vestido azul de seda chinesa, com um longo dragão desenhado.