Pintando o primeiro Amor
Já não percebiam a diferença entre; a rua e a casa. Na chuva, água se espalha por toda casa; unindo-se a desorganização. Restam algumas fotografias; nas paredes escurecidas; disformes pela água. A mulher olha suas mãos; toca em seu rosto; parece deformado. Ela chora; chora muito. O marido ainda não retornou do bar; trazendo-lhe a dose do dia. Hoje deverá pedir fiado; não tem nenhum real. O dono do bar negou-lhe a venda. Abraçados; se apoiando; vão à busca de ajuda.
Passaram horas se confrontando; ambivalentes da decisão. Decidiram. Querem descobrir o início do amor ao álcool. Relatam seus encantamentos; os amigos; as festas; o prazer. Anos de consumo; não perceberam as perdas. Primeiro o emprego; em seguida os amigos; no adiantar do tempo os parentes e filhos; resta-lhes a vida. O amor continua; quase impossível abandonar. Estão dependentes; insanos e pobres. Querem o divórcio mesmo com amor. A comunicação é difícil; decidiram pela expressão plástica.
A estudante de arte vira página por página do livro; contando à história de vida de Van Gogh. O livro circula em suas mãos; identificam-se com ele. Sonham que suas histórias um dia chegarão à livraria cultura; conhecida por eles apenas por nome. Toda semana vinham para escutar, contar e desenhar suas histórias de vida. A capa do álbum dele é toda verde; segundo ele, cor da felicidade dos campos de futebol e de sua bebida preferida. Ela; desenha um espelho refletindo uma mulher de meia idade; em cima do espelho um copo escrito – Não beba. Há anos ela não se olhava no espelho; sempre embriagada. Contaram as várias razões que os levaram a consumir álcool; às vezes se estranhavam; buscando o culpado.
Finalmente, o álbum está pronto. Eles passam páginas por páginas para a estudante de arte; que construiu com eles aquele portfólio. Ela tira do bolso um espelho, passa um batom e vai para a exposição de suas obras. Ele pintou o espaço de verde; esperando outros que também divorciados do álcool vem apreciar suas obras.