O careca

- bête noire, bête noire chéri

Não lhe parecia, nunca, te juro. As amigas denunciavam: Te fará mal, querida. A Maxine, de bochechas rosadas e de pele aveludada não merecia a ele. Ah, mas o seu cabelo, que belo era - cabelo forte, brilhante. Parecia cheio de Grease.

Gustave parecia o homem certo, mas algo nele suspeitava. O que encantava era seu cabelo, que lindo cabelo. Já mencionei isto antes, embora nunca seja demais lembrar quão bela era sua peruca.

- Peruca?

-Peruca

Não sabiam que era peruca. Gustave se casou sem revelar seu maior segredo. Nunca lhe havia um fio de cabelo brotado na cabeça. Mentira, um. Somente um, motivo de chacota. Maxine tinha cabelo demais, cabelo que não acabava nunca, que arrastava no chão. Quando descobriu, desfaleceu. Era demais para ela. O que iriam pensar todos? E a peruca era colocada religiosamente no criado-mudo ao lado da cama, sempre que iam dormir. Ela não conseguia dormir pensando que a peruca, inerte, como um rato morto jazia ao lado. Maxine via o reflexo da janela na careca de seu marido. Seu marido era calvo, careca. Calvo ou careca? Maxine depois descobriu ser a mesma coisa. Seus filhos o seriam também? Não iria suportar. Para ela, todo o encanto de Gustave se desvanecera ao revelar-se glabro. Nunca lhe passou pela cabeça como era fútil sua preocupação. Suas amigas, companheiras na futilidade, acreditavam ser de grande importância a quantidade de cabelo de Gustave. Achavam que boa pessoa não era, não podia ser, mentindo dessa maneira.

Não suportaria, teria que fugir. Pegou a primeira muda de roupas e se foi para a casa de maman. Noutro dia, longe e aliviada, ao repousar perto da janela, sentiu o cheiro de Gustave, o cheiro que ela esquecera, o aroma que se mantivera nele, mesmo careca. Nunca havia deixado de amá-lo, ou havia? Sentou-se no parapeito, de modo que sentia com mais clareza o aroma, o aroma dele. Viu que, na esquina próxima, um estabelecimento, uma pistrina. O cheiro de Gustave, cheiro de pão, de brioches.

Se postou em frente a uma bandeja de croissants e, num repente, se virou. No Croissant havia um fio de cabelo, havia um fio de cabelo no Croissant.

O trem já partia, Maxine chegara, tudo girava. O homem da fila lhe parecia ter cabelo demais, cabelo que lhe dava nojo, emaranhado, sujo. A moça da fila ao lado sacudia seu rabo, vassourando aos demais. Maxine deixou cair seu lenço, ao ajuntá-lo, sentiu que, juntamente com ele, uma massa de fios se enrolava em seu punho. Pêlos, pêlos, fios de cabelo. Por todo lado, em toda direção que olhava. Aquilo lhe subiu à garganta. Teve ânsia, ânsia de gritar, enjôos. Já não agüentava a espera, suava frio. Quando, afinal, se deparou com a conhecida portinhola de seu jardim, sentiu-se aliviada. Viu Gustave, o abraçou, como nunca antes. Aproveitou para checar se ainda continuava como antes. Uma sensação de limpeza a invadiu, ali estava seu maridinho, sem um fio de cabelo, como ela esperava, como ela desejava.

Mais tarde, perto da hora do jantar, via ele se aprontar.

- Vamos sair?

- Vamos, mon amour, quero passear à luz do luar. Deixe só pegar minha peruca

Uma agonia lhe tomou de repente. Atirou-lhe os braços à frente e abraçou forte o marido. Não suportava mais vê-la, aquele monte de cabelos.

- Joque-a fora, longe daqui. Por Deus, te prefiro careca.

Lúcia Collischonn
Enviado por Lúcia Collischonn em 24/10/2008
Código do texto: T1246797
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