VIDA OPERÁRIA

O nome de cada nordestino está escrito, com o suor de suas mãos, nas paredes dos edifícios que constrói na capital paulista. Mal amanhece o dia, o bravo sertanejo, deslocado de seu habitat, povoa as ruas da maior metrópole brasileira. Com andar apressado, leva consigo uma marmita com a refeição diária: arroz, feijão e ovo frito.

As primeiras horas de percurso são feitas a pé. Um vento frio bate em sua pele e sacode a camisa de “volta ao mundo”. Tudo diferente do seco Nordeste: tempo fechado, garoa e frio...

O movimento nas ruas ora o deixa alegre, ora o deixa triste e com saudade da lentidão da terra natal. Lá não tem correria. Todos se conhecem e cumprimentam-se pegando na mão. Por lá, só falta trabalho, bom emprego e melhores salários para criar a família com conforto.

Se todas as verbas destinadas às obras contra a seca fossem aplicadas integralmente... Se não ficassem retidas grandes fatias delas nas diversas instâncias pelas quais passam os recursos aportados... Se todo o dinheiro desviado dos cofres públicos fosse canalizado para o Nordeste... O paraíso terrestre seria lá!

São Paulo parece um formigueiro; pessoas indo, e outras voltando; todas se cruzam sem trocarem sequer um bom-dia. Adiante, há um corpo estendido no chão - um homem morto, ou semimorto. O operário segue em frente; não pode chegar atrasado à fábrica. Qualquer atraso pode custar-lhe a perda do emprego. João Eudes não se desespera. Aquele corpo estendido no trilho lhe faz lembrar um parente próximo. É ele – diz para si mesmo –; é João Alves, provavelmente, pulara do viaduto sobre os trilhos. É preciso retirar o corpo, pois o trem pode passar a qualquer momento...

O homem era gordo. Muito pesado para Eudes arrastar sozinho. Mesmo assim o fez, não sabendo como. Logo que o trem passara, a polícia chegou.

- O senhor está preso sob a acusação de homicídio.

- Sargento, este homem é meu parente; provavelmente se jogou do viaduto em tentativa de suicídio. Estava caído na linha. O senhor viu que o trem acabou de passar. Eu só o retirei para não ser esmagado, mas deve estar morto mesmo assim.

- Não devia tê-lo retirado. Não poderia ter tocado no corpo. Você pode ser incriminado pela morte desse cidadão. É o que diz a lei.

- Meu senhor, a lei foi criada para proteger os direitos do cidadão ou para punir o justo? Se esse homem sobreviver, deverá a mim a sua vida.

- É. Não deveria ter tocado no corpo; no entanto, parece que agiu de boa-fé. Nesse caso, deverá nos acompanhar como testemunha para prestar esclarecimentos à polícia.

- Tudo bem.

O delegado pareceu mais maleável. Até permitiu que João Eudes se servisse da marmita que levava consigo e, finalmente, às 16h, estava liberado e... desempregado!

- Seu delegado, onde o corpo do defunto está sendo velado?

- Que nada, rapaz! O homem sobreviveu. Você arranhou a lei, mas salvou uma vida. Vá pra casa; ele não pode receber visitas hoje. Está no Hospital das Clínicas, na enfermaria 2. Amanhã poderá vê-lo. É mesmo seu parente?

- Sim. É filho de um primo de meu pai.

LIMA, Adalberto; SILVA, Francisco de Assis. Fagulhas e Lampejos