TERRORISMO DOS CHAPEADOS
Com o apoio do Congresso Nacional, o Presidente João Gullar decretou Estado de Sítio, no ano de 1963, objetivando cercar-se de maiores poderes para governar. O Estado de Sítio permitia ao governo tomar atitudes que poderiam ferir a liberdade do cidadão. E como feriram! O povo estava dentro de um caldeirão fervente, a pondo de explodir. As forças sindicais sentiram-se investidas de poderes com os quais não tinham habilidade para lidar e quase me levaram a comenter um crime contra um chapeado .
Meu caminhão estava estacionado defronte a um grande armazém, no centro comercial de Recife. De repente, chegou um cidadão cheio de fitas e de botons, com um crachá dependurado no pescoço e outros tantos penduricalhos que o deixavam mais fantasiado do que um herói de guerra.
- De quem é esse caminhão?
- É meu.
- Com ordem de quem o senhor mandou carregar?
- Com minha ordem.O caminhão é meu e a mercadoria também.
- Mande parar agora. Só quem pode fazer este serviços somos nós, sindicalizados.
- Então, faça seus cálculos. São 350 bolas de arame farpado. Algumas já estão em cima do caminhão.
O homem fez uns cálculos em sua prancheta e apresentou o orçamento em cruzeiros.
- O senhor está cobrando seis vezes mais do que o combinado com aqueles dois que já começaram a trabalhar.
- Mas eles não podem trabalhar! Não são sindicalizados. Já veririquei isso.
- Então, o que eles vão fazer? Morrer de fome, ou roubar?
- O senhor é muito malcriado.
- Exijo respeito! Fui bem-criado e vivo às custas de meu trabalho.
- Não vai mandar parar o serviço?
- Não!
- O valor que está me cobrando é quase a metade do frete de Recife a Picos!
- Pode parecer caro, mas não é. Arame farpado é um produto de alto risco.
- Pois, se é de alto risco, não faça. Eu já arrajei quem quer trabalhar. Agora, com licença.
O homem afastou-se e, pouco depois, retornou numa viatura da polícia. Fui abordado por um policial com fitas de sargento e aparência de quem está indo para a guerra.
- O senhor é o proprietário do caminhão?
- Sou proprietário do caminhão e da mercadoria.
- O senhor tem que contratar os serviços de carga ou descarga, usando o Sindicato dos Estivadores.
- Mas cobram caro!
- Não entro nesse mérito. – respondeu o policial - Pare de carregar o caminhão ou será preso.
- Preso porque estou trabalhando?!
- Não! Por desrespeitar a lei sindical.
- E se eu mesmo fizer o serviço?
- É... O senhor pode.
- Então, com licença.
Subi na carroceira e joguei na calçada aproximadamente 50 bolas de arame. Entrei no armazém e conversei com o turco.
- Senhor, apareceu aí um camarada com a polícia e mandou parar o serviço. O arame que já estava na carroceria eu joguei todo no chão. O senhor tem poucas opções: mandar recolher a mercadoria para o armazém e me devolver o dinheiro, ou abrir de noite para que eu possa embarcar a mercadoria que comprei.
- Sim, sim. – respondeu o velho - Venha às 19h. Nós vamos botar o caminhão dentro do armazém e fechar as portas.
Os mesmos dois servidores braçais que eu havia contrado antes, na hora certa, estavam lá. Carregamos o caminhão e viajei.
LIMA,Adalberto; SILVA, Francisco de Assis. Fagulhas e Lampejos.