NA CADÊNCIA DO SAMBA
Meu amigo era dono de um comércio atacadista e tinha por hábito fazer a sesta numa rede armada no fundo do depósito, sempre com um radinho ao lado. Naquele tempo, poucas empresas construíam prédios de laje, porque não se tinha tanta necessidade de zelar pela segurança quanto agora. Em casa, dormia-se de janelas abertas sem medo algum.
Seu Pascoal vendia gêneros alimentícios e uma enorme variedade de bebidas, inclusive, uísque importado. Aconteceu que, numa segunda-feira cedinho, ao abrir o comércio, percebeu uma claridade vinda do telhado. Algumas telhas tinham sido retiradas e ripas, cerradas. Desconfiou de que havia sido roubado. Antes mesmo de chamar a polícia, analisou as mercadorias mais caras. Viu algumas pontas de cigarro no chão. Os pacotes e as caixas fechadas estavam intactas. Sentiu falta de alguns litros de uísque e, dirigindo-se ao depósito para melhor investigar o roubo, encontrou uma pessoa deitada em sua rede. Ao seu lado, havia um litro vazio de bebida e o radinho ligado. Acionou a polícia, então.
A viatura levou o ladrão, mas não pôde flagrá-lo com o produto do furto, pois tudo que roubara foi a bebida consumida. Mais tarde, os policiais ligaram para o comerciante:
- Olha, Seu Pascoal, o meliante continua preso. Confessou que bebeu um litro de uísque, aos pouquinhos. Lá no depósito, viu uma rede e um rádio. Abriu outro litro, deitou-se para tomar mais uma e ficou ouvindo um samba. Dormiu...
- Solte o desgraçado. Se não tivesse dormido, poderia ter dado um prejuízo maior. Só fez uma farra às minhas custas.
Em outra oportunidade, estive como acompanhante de um parente operado. Por sorte, o paciente estava bem. Conversávamos sobre negócios, pois já se aproximava o dia em que deveria receber alta. No meio da conversa, fomos interrompidos por um conhecido.
-João Eudes, você está de carro?
- Sim.
- Pelo amor de Deus, Margarida está morrendo e não tem um médico no hospital.
Então, dirigi-me a meu amigo internado e falei:
- Isaac, vou ter que sair!
-Sim, sim! Estou bem, pode ir.
Com muito custo, localizamos um médico a tempo de salvar a paciente do apartamento 22. Enquanto isso, Isaac dormia a sono solto e não vira quando lhe levaram uma pasta com certa quantia de dinheiro, seus documentos e um rádio de estimação.
- Cavalheiro, foi bom você ter chegado. Fui roubado.
- É... Não estou vendo sua pasta...
- Levaram também meu radinho e os documentos. Vá dar uma volta por aí...
Passei na delegacia e fiz a queixa. O delegado liberou dois soldados para fazerem a ronda comigo. Percorremos vários pontos da cidade, sem sucesso! Um dos policiais perguntou:
-O senhor conhece os objetos que foram roubados?
- Conheço; foi uma pasta preta tipo executivo. Havia documentos pessoais do dono e um rádio de pilha.
- Pois vamos dar uma passada no cabaré.
Entramos no Bar Guadalajara e avistamos um indivíduo com uma mulher no colo; a mesa estava cheia de cerveja. A pasta de Isaac, sobre uma cadeira.
- Teje preso! Cadê o rádio?
- Tá dentro da pasta.
Mais tarde na delegacia...
- O que o levou a praticar o delito?
- Doutor, eu passei e vi um cidadão dormindo, uma bolsa bonita e um rádio cantando: “Nem que eu passe aqui dez anos/ Eu não me acostumo não/ Vou embora dessa terra,/ No primeiro caminhão” Fiquei com dó do radim pasá dez ano num quarto de hospital. Mas eu ia deixar ele lá. Quando já ia saindo dali, ele pediu: “Me leva em teus braços/ Aqui não quero mais ficar” Aí num teve jeito, doutor. Tive que socorrer a vítima.
LIMA, Adalbeto; SILVA, Francisco de Assis. Fagulhas e Lampejos.